Até recentemente a avaliação geral de boa parte da imprensa de economia e especializada em negócios era de que o IPO da WeWork poderia alcançar a trepidante soma de 47 bilhões de dólares.
A empresa, vamos lembrar, se dedicava ao negócio de co-sharing de espaços comerciais, mas tinha ambições maiores, de “elevar a consciência do mundo” e promover o ideal de que “viver uma vida consciente significa escolher viver de forma proativa e com propósito”. Através de sua holding We Company, e de diversas extensões de marca, como uma escola elementar chamada WeGrow, o hotel butique We Sleep, um sistema de serviços financeiros chamado WeBank e um iate charter conhecido como WeSail. Mas, no fundo, se tratava de um negócio de aluguel de escritórios.
No final, dois ou três artigos bem colocados de críticos desse processo alucinado que gera os “unicórnios” e viscerou a realidade de que a empresa fazia 200 mil dólares por hora de prejuízos e precisava levantar rapidamente de 3 a 4 bilhões de dólares para cobrir o buraco aberto por suas maluquices. Seu fundador, Adrian Neumann, afastou-se da empresa e a situação agora é de ver onde tudo isso vai dar.
Estranhamente, pelo que se sabe, o que havia de sólido no negócio, que eram algumas valiosas propriedades imobiliárias em cidades como Londres ou Nova York, na verdade pertencia à rica família de Neumann.
Essa é uma situação limite, de fato, mas expressa bem o fenômeno da criação de valor descolado da realidade, no qual muitas organizações entraram, em busca do pote de ouro de um IPO milionário, que deixa os seus fundadores, primeiros investidores e executivos igualmente ricos, mas no fundo reparte sonhos mal construídos com uma massa de investidores que apostam em fórmulas disruptivas. Algumas, como se sabe, deram muito certo e estão mudando o mundo.
Caso da Amazon, Google e Salesforce, que demoraram para dar lucro, mas, quando deram, criaram um universo à parte. Outras, como o Facebook, aparentemente estão dando muito certo, mas carregam tantos problemas que talvez não resistam às ondas e vendavais que estão se abatendo sobre elas. Há as que, apesar de seu sucesso de uso e “audiência”, como o Twitter, ainda não encontraram uma fórmula de monetizar esse sucesso.
Há casos muito falados, mas pouco ou nada rentáveis, que estão navegando em mares revoltos e instáveis, como a Netflix, que está no topo da onda do streaming, ao custo de uma dívida de 12 bilhões de dólares, que sua receita simplesmente não tem como pagar e na iminência de entrar na maior batalha de marketing de todos os tempos; ou a Uber, que desde seu IPO, em maio último, está sendo negociada 30% abaixo do preço; ou a Lyft, que caiu mais de 40% desde março. Tem também a Airbnb, que continua sendo uma promessa maior que a realidade e ainda não fez seu IPO; e a Tesla, que como empresa de carros e de sonhos maiores, caso de sua divisão aeroespacial, no fundo é uma excelente empresa de geração e armazenamento de energia.
Ou, até, o nosso maior “unicórnio”, o Nubank, que não pára de buscar recursos no mercado, para sustentar os negócios com 13 milhões de pessoas em todo o Brasil, sendo 70% delas com menos de 36 anos – o resultado é que seu prejuízo subiu para R$ 139,5 milhões no primeiro semestre de 2019, bastante superior aos R$ 50 milhões no mesmo período de 2018; mas a receita bruta, em compensação, dobrou, para R$ 1 bilhão. O que esses casos têm em comum é a promessa de revolucionar completamente seus mercados. O que tem sentido, maior ou menor, dependendo da situação, é sua capacidade de dar um sentido novo a velhas práticas e saber como tecer a modernidade entremeada com o tradicional.
Rafael Sampaio é consultor em propaganda (rafaelsampaio103@gmail.com)