Coca-Cola é uma das marcas que as crianças aprendem primeiro. Pudera... Sua onipresença e marketing agressivo a fazem uma das marcas de maior visibilidade no mundo. Eu tive a chance de trabalhar na Coca-Cola. Faz muito tempo. Também trabalhei em diversas situações para esta marca icônica quando estive em agências.
Portanto, não é à toa que eu dedico este artigo à Coca-Cola. Principalmente agora, quando vejo sua conquista como Marca Criativa do Ano no Cannes Lions Festival. Ao analisar os cases que deram à marca mais esse reconhecimento, minha admiração cresce ainda mais.
Vejamos: a marca ganhou Grand Prix na categoria Print & Publishing com o case ‘Recycle me’, desenvolvido pela Ogilvy New York. Para quem trabalhou na empresa, como eu, o case é ainda mais surpreendente.
Explico: na minha época, o rigor com a marca era absoluto. Brigávamos com os fornecedores para que chegassem no pantone correto do seu vermelho característico.
A marca era intocável! Seu brand guide era como uma “Bíblia”. Ai de você se não o seguisse fielmente...
Pois bem, o case ‘Recycle me’ quebra esse paradigma e comete a heresia de usar a logomarca totalmente alterada. Ao observar uma embalagem do produto sendo amassada para ser dirigida à reciclagem, os criativos tiveram a brilhante ideia de redesenhar a logomarca nas suas formas amassadas.
Assim, essas logomarcas alteradas foram usadas na campanha ‘Recycle me’, estimulando a reciclagem. Vale a pena observar o compromisso assumido pela empresa de garantir a reciclagem de todas as suas embalagens a partir de 2025. E assim, com a logomarca maculada, a empresa ganhou o prêmio máximo de criatividade.
Vejamos agora um case com participação brasileira. Refiro-me ao ‘Thanks for Coke-creating’, criado pela VML New York, VML Kansas City e VML São Paulo, com colaboração de outras unidades da VML pelo mundo.
E lá vem mais uma heresia. Sabe quando o dono de um bar modesto, de periferia, decide “criar” a própria decoração promocional, pintando à mão livre, a logomarca Coca-Cola nas suas paredes? Nos velhos tempos, isso seria inaceitável, passível até de interromper o fornecimento para o comerciante.
Pois neste caso, essa iniciativa foi valorizada e fez com que as artes desajeitadas desses comerciantes fossem parar em embalagens de produtos Coca-Cola, com direito a irem para o mercado e serem vendidas, numa série especial.
Essa iniciativa acabou se tornando no case brasileiro com melhor performance no festival este ano: 3 Ouros, 4 Pratas e 1 Bronze. Novos tempos! O que me entusiasma em ambos os cases é a pegada ESG.
Se, no primeiro, vemos uma marca desfigurada pelo bem do meio ambiente, neste da VML vemos o respeito da empresa pelos seus stakeholders, neste caso, os donos de pequenos e humildes bares e restaurantes.
No primeiro, uma pegada E, de Environmental (Ambiental) e no segundo, uma abordagem S, de Social. Certamente, por trás disso tudo, está uma nova postura G, de Governança, que permite essas transgressões à marca, em benefício de uma pegada mais sintonizada às práticas ESG.
A Coca-Cola não foi a única empresa premiada por essa atitude ousada. Muitas outras, felizmente, estão adotando essa nova postura.
Inclusive a Unilever, que conquistou o prêmio de Marketer of the Year, atribuído ao Anunciante do Ano no mesmo festival.
Por meio da sua marca Dove, a Unilever coleciona prêmios de criatividade consciente, elevando a autoestima de mulheres.
O que caracterizou o festival este ano foram cases “do bem” liderados por marcas – e não por ONGs, como aconteceu em edições anteriores.
Como a Renault, que ganhou 2 Grand Prix com a iniciativa de ceder carros para pessoas que não tinham como aceitar um emprego novo, por não dispor de transporte público na sua região da França.
Que outras marcas sigam essa jornada criativista por um mundo melhor!
Alexis Thuller Pagliarini é sócio-fundador da ESG4
alexis@criativista.com.br