Um criativo genuíno treina a mente por anos infindos a driblar o óbvio. Tanto faz, tanto insiste, tanto pratica, que um dia isso se torna automático. Já não sabe mais pensar de modo cartesiano.

Torna-se um chato, diante de solicitações que não exijam mais do que uma resposta lógica e objetiva. Não sabe lidar com a simploriedade demandada pela média das situações corriqueiras.

Não consegue furtar-se de enxergar, em cada circunstância cotidiana, inspiração para um raciocínio mais complexo e rico de fantasia.

Daí, a tendência dele ou dela de estar entre os seus ou só. Entre os seus, porque os códigos são semelhantes e as expectativas também, não há estranhamento com a estranheza das propostas. Só porque um criativo nunca está só, está sempre na companhia de seus eus inventados.

Enquanto ao criativo cabia apenas o papel do devaneio, ele era capaz de compreender sua missão e buscava cumpri-la de maneira relativamente confortável, se considerarmos que trabalhava com o que lhe era familiar – a busca criativa, pura e simples.

Tudo isso ocorria na era da originalidade como propósito, a era da construção das marcas, através da busca por uma personalidade conceitual, diferenciais de linguagem que as destacassem em cada ação, pertinentes com o já realizado, mas inovadores na forma de dizer a mesma coisa.

Tratava-se de uma habilidade exclusiva, um talento particular, que caracterizavam esses profissionais e seus papéis numa agência. O criativo fazia o que os outros não sabiam fazer, ou não se empenhavam em fazer, ou acreditavam não saber fazer, ou se julgavam incapazes de fazer porque mitificavam a capacidade de fazer.

O mito que cobria a figura do criativo potencializava a impressão de que o que ele fazia só ele poderia fazer, por ser uma condição inata, tanto que não havia uma formação para ser criativo.

Ou seja, chegava um momento em que bastava que ele tivesse alguma ideia para que a percepção de si, mais do que da ideia, definia a ideia como criativa, fosse ela criativa ou não. Pode parecer desonesto, mas não é, já que o próprio criativo se tornou refém dessa confusão.

Aparte, jogos políticos, praticados para o impulso de carreiras, ou para a conquista de premiações, foram arrefecendo o olhar crítico, historicamente rigoroso, sobre o que era, de fato, criativo.

E, assim, acabou se estabelecendo a simples autoria como atestado de originalidade, o primeiro passo para a deformação do conceito de criatividade, uma vez que fazer como o Fulano ou como o Beltrano passou a significar ser ou não ser criativo.

Pronto, era a sinalização que faltava para que o processo fosse desmistificado, na medida em que se tornava recorrente. Maneira com que passou a fornecer, na repetição, os elementos de que a lógica precisava para compreendê-lo e replicá-lo.

A boa notícia é que, como tudo que é previsto pela lógica, a criatividade artificial não é criativa. A má notícia é que tá bom assim.

Stalimir Vieira é diretor da Base de Marketing
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