Existe uma epidemia que é a mãe de todas as outras e está intimamente ligada à comunicação. Em matéria de maio de 2024, o jornal O Globo traz números oficiais do Ministério da Saúde sobre vacinação e comportamento. Existem hoje no Brasil 11 milhões de pessoas que não tomaram nenhuma dose da vacina da Covid-19. O sarampo, que até 2018 era erradicado no Brasil, voltou. Em 2022, apenas 47% das crianças tomaram essa vacina. Imagine os próximos anos como vai ser com mais de 50% das crianças não vacinadas.

Caxumba, rubéola, varicela e difteria também estão de volta. A vacina da poliomielite, a famosa paralisia infantil, cobriu apenas 65% do público-alvo em 2022. A correnteza vai vir forte uma hora dessas.

Em pesquisa, um terço das pessoas afirma que tem medo dos efeitos colaterais. Outro terço simplesmente não acredita na vacina. Nossos gênios do marketing, as nossas empresas gigantescas e canais de comunicação poderosos não foram páreos para a efetividade das mensagens propagadas pelo tiozão do Zap.

Parabéns aos envolvidos. Estamos voltando à idade da pedra. E quem nos traciona de volta à caverna é um patógeno altamente transmissível via aquilo que ouvimos e vemos. Parece-me assustador isso, não?

Nós, profissionais de comunicação, não conseguimos explicar e convencer as pessoas sobre o óbvio, o simples, o básico. Que a vacina funciona há pelo menos 200 anos.

Alguém explicou outra coisa de uma maneira mais eficiente e soube entender como falar com esses milhões de pessoas de uma maneira intencional e mais profissional. Eles foram seduzidos e engajados enquanto eram inoculados com um vírus tão poderoso quanto os mais letais, senão o mais letal: o vírus da realidade paralela, ou falsa realidade. Ainda não encontrei um nome para o inimigo que se espalha a cada scroll, a cada like.

E quem o transmite intencionalmente tem razões para comemorar, pois foi absolvido previamente de qualquer crime na semana passada pelo Congresso Nacional, que se recusa a incriminar a mentira na comunicação que causa danos e se recusa a debater sobre qualquer tipo de regulamentação na transmissão dessa doença.

Mas nem sempre foi assim. Na luta contra a aids, travada no mundo e bravamente no Brasil, a comunicação fez seu papel em salvar vidas. Antes mesmo de haver tratamento crônico eficaz contra essa doença, houve a adoção em massa de camisinha nas relações sexuais, o que freou a contaminação.

O Ministério da Saúde, na época, explicou com criatividade nas mensagens, que a epidemia de aids poderia ser reduzida quando se usava o preservativo nas relações sexuais e quando não se compartilhava seringas.

Hoje é óbvio, mas foi uma conquista. O Conselho Federal de Medicina apoiou o uso de camisinha. Congressistas entenderam a importância em não dividir seringas. Jornalistas e comentaristas em Jornais, rádios e internet concordavam que o que provocava a doença era um vírus e ele era letal. Algumas entidades religiosas eram contra o uso da camisinha e pregaram o celibato, mas a população foi imunizada contra o vírus da ignorância por uma comunicação competente.

Ainda como parte da campanha contra a vacina, dizem que as perdas de vidas do Brasil, 750 mil pessoas, está dentro do aceitável. Em comparação com o vírus HIV, desde o primeiro caso da epidemia no Brasil em 1980 até hoje, a aids matou 180 mil pessoas. Para evoluirmos como país, a batalha passa antes pela comunicação.

Flavio Waiteman é sócio e CCO da Tech&Soul
flavio.waiteman@techandsoul.com.br