Vivemos em um novo mundo. O século 20 passou. Estamos todos interligados pela internet. Hoje o poder não está mais nas mãos de poucos. Antigamente eram as emissoras de televisão, os jornais, as gravadoras e as editoras que decidiam o que você iria ver, ler e escutar. Agora não. Todos podem pelo próprio celular produzir conteúdo. Todos têm agora a oportunidade de se lançarem no mundo pela internet com suas músicas, seus livros, seu conteúdo digital.

Agora são as pessoas que se lançam na internet e conquistam seu público com a ajuda das plataformas digitais. As plataformas digitais não aprovam conteúdo, como se fazia no século 20, elas deixam as próprias pessoas livres para produzirem o que quiserem e conquistarem o seu público. Muito diferente.

Essa é uma realidade que veio para ficar. No mundo de hoje não cabe mais alguém dizendo o que você deve assistir, ver ou ler e em que horário. Não. Tudo mudou.

É você quem decide ver o que quiser, a hora que quiser. E se quiser também produzir conteúdo, você pode sim. Por que não poderia? O poder mudou de mãos, está em cada um de nós com nossos aparelhos celulares. E, é claro, nas plataformas digitais, que a todos nós conecta e a todos nós viabiliza infinitas possibilidades.

Agora todos estão preocupados. Muito preocupados. Como deixar tudo tão solto? Esse é o grande engano. Nada está solto. Não. O mercado tem se ajustado rapidamente, aliás muito rapidamente. A velocidade é espantosa. A autovigilância e a autorregulamentação caminham passo a passo com todas essas mudanças. Ferramentas de controle. Canais de denúncia. Autovigilância constante e veloz.

Tudo isso faz com que conteúdos impróprios sejam denunciados, fake news desmascaradas, fraudes detectadas, enfim, temos encontrado uma forma de expelir tudo aquilo que é nocivo e criminoso, e, por isso, proibido por lei. Mas é claro que a liberdade de expressão não entra nesse jogo. Ela não pode ser tolhida. É um direito constitucional dos mais relevantes.

E encontra o apoio das plataformas e dos anunciantes. Por quê? Porque é o que torna o negócio delas ainda mais rico, porque nasceram da liberdade, inúmeros são os motivos. E eu pergunto: não deveríamos todos nós também lutar por esse direito tão caro? Não é chegada a hora de convivermos cada um de nós, com as diferentes opiniões, pontos de vistas? Por que não podemos tolerar alguém fazendo o próprio conteúdo e expressando as próprias opiniões, inclusive, e, por que não, falando bem ou mal de determinada marca?

No momento em que começarmos a ingressar na liberdade de expressão das pessoas dizendo o que elas podem falar e sobre o que podem falar, estaremos censurando. Os limites do abuso e do crime já são muito bem definidos em lei. Cada um tem a sua responsabilidade perante a lei.

Temos de lutar para sermos uma sociedade madura, que saiba viver nesse novo mundo em que as pessoas hoje podem, sim, exercer seu poder e influência na internet, um novo mundo em que esse poder já não está mais nas mãos de poucos. Precisamos educar, precisamos da autovigilância, precisamos que anunciantes tenham limites éticos e precisamos que cada um de nós respeite a lei. Claro. A responsabilidade precisa ser grande e de toda a sociedade no momento em que a liberdade é vasta.

Quero terminar com a frase de Simone de Beauvoir: “Que nada nos limite. Que nada nos defina. Que nada nos sujeite. Que a liberdade seja nossa própria substância, já que viver é ser livre”.

Eliane Proscurcin Quintella é vice-presidente do Comitê Jurídico da ABA (Associação Brasileira de Anunciantes), conselheira do Conar e head of legal department na Danone (eliane.quintella@danone.com)