Agosto é mês de celebrar a filantropia entre negros. E, para explicar um pouco, busquei a fala de uma das fundadoras do movimento nos Estados Unidos: ‘Não somos vítimas da História’, diz Jacqueline Bouvier Copeland, PhD em Antropologia. A iniciativa promove ações filantrópicas de e para negros desde 2011, conectando pessoas negras nos Estados Unidos e, nos últimos anos, pelo mundo.

A inspiração de criar um mês para fomentar a colaboração ativa entre a comunidade foi baseada no “Ano Internacional dos Povos Africanos da ONU”. A ação é um ato de enfrentamento e solidariedade que remonta à antiguidade da cultura africana. A importância da filantropia negra é reafirmar que a comunidade pode ser forte e colaborativa através do “Black Money”. Unida, pode promover novos negócios, apoiar quem está em situação de vulnerabilidade e acelerar quem tem recursos para seu crescimento, tudo com base no conceito africano de ubuntu: “Eu sou porque você é. Não existo ou prospero, a menos que você também o faça”.

Outro ponto importante é ressignificar os estereótipos de pobreza e marginalidade nos quais o imaginário social nos coloca, delimitando nossas riquezas ao modelo normalizado e meritocrático. Entre negros, recursos como o tempo, os talentos compartilhados, as histórias, tudo que trocamos é riqueza. Estar longe dos nossos é perder a referência de quem somos e do quanto nossos ancestrais se empenharam para chegarmos até aqui. Reconhecer esse legado e cultivá-lo vai além de apenas acumular recursos, é resistir e se conectar a quem se é.

Muitas pessoas negras no Brasil vêm adotando ações filantrópicas, como apoiar financeiramente estudantes para que possam cursar o Ensino Superior sem precisarem trabalhar, dedicando toda sua energia a formar-se em áreas como Medicina, Direito, entre outras. Geralmente as pessoas que financiam as formações são profissionais de mercado que buscam pessoas com potencial para que se tornem talentos no mercado de trabalho, um ciclo virtuoso para fazer diferença a partir desse investimento.

No dia 4 de agosto de 2022, aconteceu o primeiro evento GIFE (Grupo de Institutos, Fundações e Empresas), em parceria com a The WISE Fund, no espaço Instituto Unibanco, em São Paulo, e as vagas para participar esgotaram-se rapidamente. Um marco nesse evento foi o lançamento do Estudo sobre Filantropia Negra Global (“Global Black Funding Equity Index”), ação pioneira que pretende fazer um levantamento sobre a filantropia negra no mundo e do Prêmio da Filantropia Negra Global, que irá reconhecer organizações, associações e/ou investidores que melhor representem os negros.

Existem outras iniciativas como o Pacto pela Equidade Racial através de um índice para identificar empresas que realmente promovem a inclusão de pessoas negras; o ID_BR (Instituto Identidades do Brasil), que tem um prêmio para empresas com ações afirmativas voltadas a pessoas negras; o Baobá, que promove editais e fomentos para entidades que atuam com ações de inclusão em territórios vulneráveis, entre outros, que há anos atuam para fomentar formações e conscientização para reverter o cenário da exclusão social e baixa mobilidade social fomentados pelo preconceito racial.

Um dos marcadores sociais que frequentemente é atribuído às pessoas negras é a marginalidade. O embranquecimento que vemos no mundo acadêmico se reflete na falta de oportunidades no mercado corporativo, que possui níveis de exigência quanto a desempenho escolar e entregas de projetos e atividades durante a vivência escolar. As pessoas negras, em sua grande maioria, precisam otimizar seu tempo entre afazeres, conseguir renda e deslocar-se por horas em longas distâncias para acessar aos equipamentos que ficam em regiões mais centrais, o que prejudica sua qualidade de vida e promove desgastes físicos, emocionais, financeiros e de autoestima.

O não se ver nesses espaços é outro fator que o movimento tende a reverter. Em muitas escolas, desde o ensino básico, não há pessoas negras nas salas de aulas, seja como pessoas educadoras, seja na gestão, e, mesmo entre as famílias que são um pouco menos vulneráveis, poucas atuam em cargos de gestão. Na escola pública, há poucas pessoas que atuam em empresas, elas, no geral, fazem um esforço maior para matricular e manter suas crianças no sistema privado, que oferece melhores resultados na aprendizagem escolar. As pessoas negras que oferecem a oportunidade de formação para jovens negros atuam nas mentorias, apoiam seu desenvolvimento pessoal e profissional, inspiram e, com isso, geram novas oportunidades e criam espaços seguros de desenvolvimento pessoal para si e para as pessoas apoiadas.

Aqui não se trata de assistencialismo – a consciência de que um investimento está sendo realizado e que precisa ser valorizado cria conexões humanizadas e fomenta novas ações. Trata-se da construção de um legado que se renova a cada pessoa negra que se ergue e começa a caminhar com autonomia, confiança e com propósito reforçado por uma identidade que lhe dá orgulho e qualidade de vida.

A filantropia entre negros é um jeito diferente de olhar para nosso futuro, porque, quando falamos de ubuntu, todas as pessoas negras avançam juntas, suas vidas melhoram e tudo que as circunda também. Isso, sim, é pertencimento e sustentabilidade, garantia de um legado próspero para a sociedade.

Samanta Lopes é coordenadora MDI da um.a #DiversidadeCriativa, agência de live marketing