Quando se fala em inspiração na publicidade, as referências costumam ser da arte, da cultura pop ou do esporte. Curiosamente, é raro citarem um dos temas mais presentes no dia a dia dos brasileiros: a espiritualidade. Em suas diversas manifestações, a espiritualidade permeia a identidade brasileira. Por isso, apesar de também ser inspirado por arte e cultura pop, escolhi escrever sobre minha relação com o budismo e como ele inspira minha atuação em projetos de comunicação e design estratégico.
Há 25 anos participo de cursos e retiros regularmente, sou voluntário em centros budistas e mantenho uma prática diária em casa. Apesar de ser um assunto privado, minha orientadora no mestrado me incentivou a trazer métodos budistas para o processo de design participativo que eu estava testando na pesquisa. Isso me inspirou a levá-los também para a agência e para minhas aulas na universidade. Nesses dois ambientes, fiz algumas experiências com um método que considero inspirador chamado “estabelecer a motivação”.
Motivação é um tema hoje associado ao mundo do treinamento esportivo, da liderança, dos coaches e de influenciadores. O discurso motivacional tem grande engajamento nas redes sempre com a intenção de inspirar ou, melhor, “empurrar” a audiência, como um técnico na beira do campo gritando com os jogadores. Essa ideia popular de motivação é associada a ser provocado, sacudido, como se o alvo da motivação precisasse de um movimento brusco e externo para mobilizar seus recursos internos.
Mas a ideia de “estabelecer a motivação” no budismo é bem diferente. A expressão tibetana kun long, traduzida para o inglês como motivation, traz um significado mais amplo na sua origem: no contexto budista significa algo mais próximo de “estado geral do coração e mente”, e é uma prática utilizada no início de qualquer atividade como uma reflexão e meditação. O praticante busca colocar-se em um “estado geral de coração e mente” condizente com o objetivo de trazer benefícios a todos e não apenas para si ou para os seus próximos. Essa preparação funciona como um check-up e permite que, se nosso estado geral está desalinhado com o objetivo de trazer benefícios amplos, a gente possa se reconfigurar de dentro pra fora.
Em mais de 10 workshops com alunos ou com equipes na agência, introduzi o conceito e propus que parássemos por alguns instantes para direcionar nossa motivação: poderíamos trabalhar em nosso próprio benefício ou poderíamos ampliá-la, pensando no bem e na evolução dos nossos colegas, clientes, consumidores e suas famílias, a sociedade e assim por diante, como um círculo que se expande. A prática durava menos de 5 minutos, mas às vezes envolvia discussões e a criação de amuletos para lembrar da motivação durante o projeto. Mais tarde, pedi feedback às pessoas sobre essa proposta. Uma parcela significativa relatou ter vivenciado o projeto de maneira diferente. É claro que esse tipo de exercício rápido e pontual não é garantia de um “estado geral de coração e mente” mais amplo e compreensivo. Mas, no mínimo, é uma boa amostra do quanto agimos de forma automática e autocentrada no dia a dia.
A espiritualidade pode ser, então, além de uma inspiração pessoal, uma fonte de métodos para design participativo. Mas é preciso que o proponente do uso tenha uma prática espiritual autêntica e estruturada, que seja parte da sua vida, que seja benéfica de forma universal e não apenas um recurso superficial para enfeitar um workshop ou reforçar objetivos egocentrados. Claro que arte e cultura pop também podem ser fonte de construção de uma atitude mais empática e altruísta no trabalho. Mas, na minha experiência, além do entusiasmo momentâneo da inspiração, é interessante também ter o suporte diário de uma prática espiritual que independa dos altos e baixos das emoções e ofereça uma visão filosófica ampla e profunda sobre o que pode nos motivar a agir no mundo.
Gustavo Mini é Head de Planejamento da DZ Estúdio, mestre em Design Estratégico e professor da graduação em comunicação digital da Unisinos