Tenho ido a Portugal uma vez por semana. Às vezes até mais do que isso. Explico: meu filho e sua mulher moram lá. Ela é médica e meu filho, que, coitado, não deu para nada sério, é publicitário. Então ficamos de papo pelo celular sempre que a vida atribulada dos dois de além-mar permite. Portugal, tal como aqui, está de quarentena. Mas lá o governo não fica fazendo birra e o primeiro-ministro lidera as ações para que a pandemia não dizime a população. Ou, pelo menos, que não se faça troça das providências sanitárias. Lá, as vidas importam. Eu, idiota que sou, estava adiando uma visitinha “às crianças”, mas a gripezinha chegou antes. E se fecharam as porteiras. Por isso, estou restrito às chamadas por telefone. Que apenas enganam a saudade. Fábio (o filho) é sobretudo um cavalheiro e não me conta como os portugueses reagem às atitudes de nosso governo diante da pandemia. Acha que já basta o fardo que carregamos. Não é preciso mais mofa. Sim, há muito tempo não vou à terrinha, embora tenha engordado só pelas fotos que me enviam. Já que se tem de ficar preso à casa, que se coma bem, eles acreditam.

Acho uma maldade das piores o hábito que adquiriram de me mandar fotos dos pratos que fazem. Lânguidos bacalhaus nadando em azeite, leitõezinhos de todos os tipos, cozidos quase pornográficos. O comércio “fica à beira” e eles não se fazem de rogados em abastecerem a dispensa com bichos, vegetais e produtos para os quais eu não consigo imaginar adjetivos melhores do que licenciosos. Quase pornográficos. Já que falei em pornografia, para os que confiam na minha opinião gastronômica e me consultam sobre as especialidades típicas portuguesas que eu recomendo, tenho um menu arrasador, que vale pelo gosto e justifica uma boa conversa. Vamos lá. Como início eu recomendo sempre uma punheta de bacalhau. Não há nada melhor para começar do que uma boa punhetinha, devidamente untada de bom azeite extra virgem. E tem uma vantagem: em caso de uma rapidinha, a punheta substitui o prato principal e é uma solução alternativa que acalma a sofreguidão. Como entrada podemos ter uma sopa de grelos ou uma sopa seca que se agarra às costas. Ambas são respeitáveis entradas, sendo que a agarra às costas é a mais simples e mais fácil, pois é apenas feijão e pão, evidentemente temperada conforme os costumes locais. O prato principal pode ser um arroz de pica, uma especialidade do Entre-Douro e Minho. É feito com frango e toucinho e equivale a… um arroz de pica, ora pois. Para acompanhar aconselho caralhotas, pequenos pães da região do Almerim. E que se beba algum vinho como um Monte das Abertas do Alentejo ou um Dão Quinta das Peladas. Se você estiver no Ribatejo, pode pedir sem susto uma garrafa de Rapadas. E macho que é macho e está disposto a enfrentar algo mais pesado, o Douro oferece o incrível Três Bagos. Na sobremesa podemos pedir mamadinhas de tentúgal ou espera-marido à Transmontana. O espera-marido parece simples, pois é feito de açúcar, ovos e canela em pó. Mas o resultado é maravilhoso. Já a mamadinha é uma especialidade Transmontana, feita por freiras nos conventos, mas hoje disseminado por quase toda a região.

Como digestivo podemos recomendar um licor de merda, bebida na região de Catanhende, feita à base de leite, baunilha, cacau, canela e frutas cítricas. Esse licor se encontrava também no Brasil no restaurante Metrô, na Cinelândia do Rio de Janeiro. Que foi vítima da pandemia e fechou. A melhor água mineral que se pode encontrar é a Penacova, “uma pureza da Serra do Buçaco”, conforme diz seu anúncio. Por falar em vinho, eu tenho um amigo proprietário de um olival no Chile. Tentando ajudá-lo eu mandei um e-mail para a dona da vinícula que produz o vinho Monte dos Cabaços, no Alentejo, sondando a possibilidade de uma franquia para a marca, pensando num produto que se chamaria “Azeite Extra Virgem Monte dos Cabaços”. Não me responderam. Sacanagem deles. Uma história que tem tudo a ver com Portugal e restaurantes aconteceu com um amigo meu na Póvoa do Varzim, uma cidade perto do Porto, que tem um importante evento literário. No cardápio um bacalhau cozido muito recomendado e as tais punhetas de bacalhau. Querendo experimentar os dois, fez o pedido ao dono da casa e ouviu em resposta: “não vou lhe servir ambos, pois comes a punheta e perdes a fome, deixas o bacalhau à mesa, e os fregueses vão pensar que és um frouxo ou meu bacalhau é uma merda. Como não quero que isso aconteça, ficas sem a punheta e esperas com calma o bacalhau”. Não é uma obra-prima?

Lula Vieira é publicitário, diretor do Grupo Mesa e da Approach Comunicação, radialista, escritor, editor e professor (lulavieira.luvi@gmail.com)