Vejo um artigo da revista Foreign Affairs – The Population Bust: Demographic Decline and the End of the Capitalism as We Know It –, comentado pelo Estadão, e me surge um paralelo com boa parte dos cases vencedores do Cannes Lions 2019.

Essa reflexão se dá no momento em que estou em uma série de viagens para o Cannes Lions Roadshow, organizado pelo sistema Fenapro/Sinapro, em parceria com o Estadão.

Dois dos quatro macro insights gerados pelo festival este ano têm a ver com um novo posicionamento das empresas perante o mundo complicado de hoje. São eles: Stand Up or Die (que traduzi para Posicione-se ou Morra) e Let Everyone In (traduzido para Inclusão: Mais Gente pra Dentro).

Enquanto o artigo da Foreign Affairs questiona a dependência do capitalismo do crescimento contínuo. Crescimento da população, crescimento da capacidade de compra, crescimento do consumo, crescimento das empresas… E assim a roda do capitalismo gira. Growth, growth, growth… Há algumas empresas que estão até trocando o nome do cargo do diretor de marketing para diretor de crescimento (de CMO para CGO).

O problema é que o mundo está dando sinais de arrefecimento do crescimento populacional. A China e a Índia, países mais populosos do mundo, começam a apresentar taxas de natalidade que mal repõem sua população. O mesmo ocorre no Brasil, cuja taxa de natalidade está chegando a níveis abaixo da simples reposição populacional.

Então, se a lógica do capitalismo está calcada na dinâmica do crescimento constante, algo precisa mudar. Por outro lado, o que observamos nos insights do Cannes Lions são empresas que, de forma genuína e autêntica, se posicionam e agem na sociedade não só para vender mais, mas para serem atores decisivos de melhorias sociais.

Basta ver o case do Carrefour na França, ganhador de Grand Prix este ano, em Cannes. Num posicionamento inequívoco de protesto em relação a uma lei que proíbe a venda de alimentos derivados de sementes não certificadas, a rede de supermercado criou o Black Supermarket, montando um verdadeiro “mercado negro” de frutas e hortaliças de produtores que não tinham acesso à certificação de sementes.

Resultado? Conseguiram mudar a lei! Vemos cada vez mais empresas que assumem uma postura corajosa, sem medo de se posicionar, apoiando causas de minorias ou “peitando” leis que consideram injustas. A Nike tem sido um destaque nesse sentido.

A marca não hesitou em apoiar o voto sim no plebiscito relacionado ao casamento de pessoas do mesmo sexo na Austrália. E, este ano, o case Dream Crazy, que envolve o apoio ao protesto do atleta Colin Kaepernick, se recusando a cantar o hino nacional antes dos jogos de futebol americano em que participava.

Os ultranacionalistas americanos, incluindo o presidente Trump, acharam um absurdo o posicionamento da empresa. Suas ações chegaram a cair mais de 3% nos EUA. Seus produtos foram queimados, em protestos desses nacionalistas.

Parecia uma loucura, mas a empresa acabou recebendo o apoio de líderes de opinião, revertendo a queda de vendas, virando o jogo.

Será que o capitalismo, como foi concebido, está preparado para lidar com essa realidade emergente? Será que os princípios “vender mais a qualquer custo” e “crescer, crescer, crescer” estão em xeque? Será que as empresas estão preparadas para enfrentar acionistas ávidos por lucros constantes e a adotar uma política mais ética e ativista de causas sociais?

A The Body Shop já tem até um cargo novo: Global Head of Activism. Isso mesmo, uma head global de ativismo! O certo é que há um vácuo na liderança governamental mundial, cujos atores têm preferido caminhos mais pragmáticos, defendendo o seu lado, mesmo que seja contrário à lógica de melhoria social para todos – e não só para alguns privilegiados.

As marcas estão preparadas para ocupar esse vácuo?

Alexis Thuller Pagliarini é superintendente da Fenapro (Federação Nacional das Agências de Propaganda) (alexis@fenapro.org.br)