Tem uma frase do Riobaldo, personagem de Grande Sertão: Veredas, que eu adoro: “Eu quase que nada não sei. Mas desconfio de muita coisa”.

Num mundo repleto de gurus, xamãs e Mães Dinah do metaverso capazes de antecipar com exatidão os destinos da humanidade, esta citação sempre me ajudou a manter os pés no chão e ter humildade para reconhecer que tudo o que
eu consigo prever se resume a alguns achismos.

E, se eu penso que é difícil dizer como será o futuro, igualmente traiçoeiro é tentar falar com propriedade do passado.  Explico. Desde que entrei na propaganda, sempre ouvi o mesmo mantra das pessoas que já trabalhavam há mais tempo: “Bom mesmo era naquela época...”.

Bons mesmo eram os comerciais dos anos 1980: a bonita camisa do Fernandinho, os bilhetinhos dizendo para não esquecer a minha Caloi, o orelhão que morria no meio da rua, o primeiro sutiã da adolescente, o Bombril do Carlinhos Moreno, o Hitler da Folha de S.Paulo.

E olha que eu ouvia isso na metade dos anos 1990, quando fazia estágio e a propaganda na TV mostrava que tal coisa não era nenhuma Brastemp, que só mesmo um louco pra ter um filho, que tinha coisas que só a Philco fazia pra você, que alguns japoneses eram mais criativos que os japoneses dos outros e a VW era tão confiável que o controle de qualidade checava tudo duas vezes.

Diziam que bons mesmo não eram apenas os filmes. Eram os salários, as agências, os uísques, os clientes, as festas, os diretores, as produções com diárias e orçamentos infinitos, as cestas com panetones no fim do ano e por aí vai.

Tão impossível quanto negar a magia de todas essas campanhas, seria esquecer as vantagens da época. Mas a tal da nostalgia, como já foi comprovado, nos traz uma lembrança apenas parcial: ignora, por exemplo, infinitas horas trabalhadas na madrugada (e com o orgulho estampado nas olheiras de quem julgava merecer uma medalha), estilos “enérgicos” de chefiar que depois receberiam o nome de assédio moral e coisas que pareciam normais e sequer estavam em pauta.

Não, eu não sou um sujeito otimista e muito menos perto da perfeição. Bem longe disso. Driblar os processos desgastantes e complicados de hoje não é fácil. Mas, tentando enxergar o fundinho meio cheio do copo, acho que o terreno nunca foi tão vasto para a criatividade. Hoje é possível ganhar um Grand Prix no Festival de Cannes com um clipe musical e um Oscar em Hollywood com um curta-metragem bancado por uma marca. Dois exemplos que não estão mais restritos àqueles efêmeros 30 segundos e são criação pura.

Além disso, temas que foram esquecidos durante muito tempo ganham cada vez mais espaço, e nos fazem prestar mais atenção e entender melhor sobre diversidade e inclusão (convidar para a festa e chamar para dançar), equidade (perguntar se tem roupa para ir), saúde mental etc. Mesmo admitindo o quão longe ainda estamos do ideal, os primeiros passos estão sendo dados. E, sim, precisamos acelerar muito mais, eu sei.

Por isso, apesar de todo o perrengue e baixo-astral que volta e meia toma conta do mercado, eu tendo a acreditar que, lá na frente, a gente vai conseguir ter o distanciamento necessário para ver as coisas positivas que começaram a surgir mais recentemente. E dizer que estes dias aqui, apesar de tudo, também foram “bons tempos”. Se eu tenho alguma certeza disso? É claro que não. Mas desconfio que eu possa estar certo.

Marco Giannelli (Pernil) é CCO da AlmapBBDO