Eu sempre me pergunto por que algumas pessoas passam pela vida sem olhar para o lado. E, mais do que isso, como conseguem seguir sabendo que ao lado de suas casas, de seus escritórios ou de seus trajetos diários existem pessoas com fome. Eu nasci em uma família simples: minha mãe era diarista, meu pai zelador. Cresci vendo o que era lutar para garantir o básico, talvez por isso eu nunca tenha conseguido ignorar o rosto de quem pede comida.
Hoje, como co-CEO e CBO da Machina, uma das consultorias de growth marketing que mais crescem no Brasil, minha realidade mudou. Mas as minhas raízes seguem vivas em tudo que eu faço. Eu sou descendente de um bisavô escravizado vindo do Congo, e é a partir dessa ancestralidade que eu encontro o meu norte. A história que corre nas minhas veias me lembra, todos os dias, que não há crescimento verdadeiro se a gente não levar outros com a gente.
Foi assim que nasceu a Acaçá, uma ONG que criei com amigos que compartilham do mesmo incômodo e da mesma urgência. O nome vem do alimento iorubá, que representa nutrição, partilha e espiritualidade. Acaçá simboliza o que acredito: que alimentar o corpo também é um ato de resistência, de memória e de afeto.
As nossas ações não são diárias nem gigantes em escala. Mas são profundamente comprometidas com o impacto real. De três a quatro vezes por ano, organizamos distribuições de alimentos e itens essenciais em comunidades em situação de vulnerabilidade, muitas vezes invisíveis nas estatísticas. Atendemos principalmente regiões do Norte e Nordeste, mas também estamos em centros urbanos onde a miséria se disfarça no cotidiano.
Toda vez que estou em uma dessas ações, entregando uma refeição quente, olho nos olhos de quem recebe e penso: “Isso aqui é mais do que comida. É reconexão”. Porque ninguém deveria dormir com fome. Porque ninguém deveria acreditar que não merece o mínimo. E porque nós, que tivemos alguma chance, temos também a responsabilidade de abrir caminhos.
Eu não acredito em uma vida que seja só sobre conquistar, escalar, faturar. Eu acredito que estamos aqui para deixar algo melhor do que encontramos. E isso não se faz sozinho. Não é sobre heróis ou sobre quem aparece na foto. É sobre rede, sobre coletivo, sobre se importar de verdade.
Na Machina, essa mentalidade também se reflete em como construímos nossos times, em como escolhemos nossos projetos e em como vemos o papel da comunicação no mundo. Crescimento sem impacto não faz sentido. Branding que não respeita realidades não cria conexão. E futuro que não inclui, exclui.
Se tem algo que me inspira é lembrar que a gente não está aqui só para trilhar um caminho bonito. Estamos aqui para fazer com que mais pessoas possam caminhar com dignidade. Se for com comida, que seja. Se for com oportunidade, melhor ainda. Mas que nunca seja só sobre a gente
Allan Guedes é co-CEO e CBO da Machina e fundador da ONG Acaçá