Aconteceu uma coisa na minha vida que mudou completamente a forma como eu lido com as adversidades: a morte do meu irmão, após uma depressão severa, aos 18 anos. Eu estava no início da minha adolescência e, apesar de muito nova, conseguia entender que a minha história tomaria um rumo completamente diferente a partir daquele momento. Afinal, pouco se fala do impacto do suicídio naqueles que ficam. Uma doença que assola o mundo, mas ainda possui muitos estigmas em torno do assunto.

Foi nesse período que eu conheci uma mulher que estava disposta a apoiar meu crescimento. Ela era - e ainda é - minha terapeuta. Uma pessoa que dedicou anos de sua vida ao movimento negro e contribuiu para implementação de políticas públicas no Brasil. Que muitas vezes avançou no âmbito profissional para me fazer ver mais longe e mostrar como é desafiador quando uma jovem negra olha para o futuro. Somente depois desse encontro que eu pude realmente sonhar e ambicionar caminhar por lugares que inspiram prosperidade e conhecimento, mesmo que eles ainda não existam. Estava disposta a criá-los.

Ensinamentos como esse me instruíram a pensar na importância que é fortalecer minha autoestima e torná-la algo que vai muito além da estética, mas também uma ferramenta para o autoconhecimento. Os meus cabelos, que antes eram uma fonte de mazelas por serem crespos, se tornaram minha melhor e maior fonte de energia para me sentir poderosa e forte. E o meu corpo é um espelho que reflete o passado e o futuro - suas curvas, formato do nariz, o fenótipo -, é nele que todos os dias eu vejo a história de muitas outras pessoas que lutaram e seguem lutando para construir um novo sentido para essa existência.

Criar um lugar é buscar aliados para abrir portas e referências para a realização do impossível. O que acaba tornando possível quando estamos em lugares que inicialmente soam desafiadores para nós, mas que podem nos impulsionar a chegar mais longe, pois são vistos como degraus em prol de um futuro que estamos construindo. Futuro que vez ou outra nos apresenta pessoas parecidas, que conseguiram emergir e estão vivendo seus sonhos.

Outro dia, recebi uma ligação de uma amiga emocionada por ter entrado em um processo seletivo para uma vaga que mudaria radicalmente a vida dela. Foi inevitável, meu coração se preencheu de felicidade ao ouvi-la contar sobre como é estar neste processo seletivo e ficamos imaginando como seria se ela ouvisse um “sim”. Qual será a nova história impossível que estamos construindo? Esse sentimento de felicidade que tomou o meu corpo fez com que eu percebesse que a coisa mais rica que pude adquirir nessa trajetória foi a fé, ela que me acompanhou quando o medo me distanciou da coragem. Algo que infelizmente meu irmão não pôde desenvolver, mas eu precisei, ao acreditar que é possível mudar a forma com que pessoas como eu se relacionam com o futuro e com a felicidade.

Bia Sousa é assistente de produção executiva e gerente de conteúdo da Magma