O mundo assiste, perplexo, às imagens de vídeo em que contém cenas do Dalai Lama Tenzin Gyatso, de 87 anos, pedindo para um garoto chupar a sua língua.  O vídeo é de 28 de fevereiro e foi gravado durante uma audiência do monge no norte da Índia. No trecho, ele aparentemente dá um beijo na boca do menino e mostra a língua.

O público presente apenas apenas ri. Seriam puxa-sacos? Carolas? Isso pode ser explicado pela Psicologia Social por meio do Efeito Genovese, Efeito do espectador ou difusão de responsabilidade que é um fenômeno observado e descrito pela primeira vez por John Darley e Bibb Latané em um estudo de 1968, que aponta para o fato de que a presença de outras pessoas diminuem as chances de uma pessoa intervir em uma situação de emergência. O que eu posso dizer sobre elas é: Pai, perdoai-as. Elas não sabem o que fazem. E o bom dessa história toda é que, pouco mais de um mês depois, as pessoas que não estavam presentes e, que foram impactadas pelas imagens, não acharam graça nenhuma. A repercussão negativa na internet foi instantânea, com pessoas dizendo que a atitude foi "inapropriada" e "nojenta". Mesmo que na cultura tibetana - assim como aqui no Brasil - mostrar a língua para uma criança seja uma forma de interação e brincadeira, os excessos deixam as pessoas espantadas como o beijo e o pedido para chupar a sua língua.

Atos assim não apenas mancham a imagem da suprema santidade budista e, de tabela, a imagem do budismo, mas, estimulam crimes e fazem muitos perderem a fé em um mundo melhor. A postura de um líder de milhões como ele é, sim, inapropriada e infantil e pede evolução e soluções práticas e urgentes ainda nesta encarnação.

Brincar com assédio e exploração infantil é colocar fogo no parquinho (sem a brincadeira da expressão) dos inocentes e ajudar a queimar vidas de indefesos que estão à deriva da maldade humana.

Imediatamente, a equipe do líder tibetano divulgou um comunicado - mais desastroso ainda - dizendo, em outras palavras, que esse é "o jeitinho dele". "Brincalhão!" Faltou um pouco de seriedade ao líder para entender que a comunicação deixou de ser regional e está globalizada há muito tempo.

A preocupação do Dalai, infelizmente, foi apenas com a sua reputação porque o pedido de desculpas veio somente depois que a sua imagem foi colocada à prova. Lá atrás, mais de um mês antes, ele jamais cogitou pensar e refletir sobre os seus atos. Precisou vir o tsunami do cancelamento em sua vida para ele compreender que a paz dele não é soberana. Isso nos faz pensar que o repúdio público e o cancelamento são muito bem-vindos para denunciarem, exatamente, comportamentos inapropriados como este e de pessoas que têm a obrigação de proteger e serem exemplos para os mais jovens. E, neste caso, não apenas por ser um líder espiritual, mas, principalmente, por ser um senhor de idade.

Os julgamentos sobre a imagem pública que apresentamos para os outros estão baseados nos pilares do que é visto, do que é falado e de como são os nossos comportamentos. Com o Dalai Lama vimos um senhor colocar a língua para fora, verbalizar a sua "brincadeira" pedindo para a criança chupar a sua língua e se comportar de forma vergonhosa em frente ao público e às câmeras. Claro que o líder budista não iria cometer abuso sexual ali, com aquela plateia, creio eu. O que pesa é a "inocência", a "ingenuidade", a ignorância de um líder que não quer ver o sofrimento dos irmãos menores que são vítimas de exploração sexual todos os dias no mundo inteiro.

Gate gate paragate parasamgate bodhi svaha [Avancemos juntos até atingir a iluminação] diz o mantra budista… Mas, para avançar e atingir a iluminação é só ir atrás de conhecimento. E, para quem ainda não tem, vou facilitar: somente aqui no Brasil, a ONG Safernet recebeu quase 112 mil denúncias de exploração sexual infantil no Brasil, em 2022, apenas na internet. Isso, sem contar as denúncias que não são feitas. Aliás, o nosso país ocupa o segundo lugar no ranking de exploração sexual de crianças e adolescentes e fica atrás apenas da Tailândia, segundo um panorama organizado pelo Instituto Liberta. E os números são alarmantes em todo o mundo. A WeProtect Global Alliance em seu relatório de Avaliação de Ameaça Global 2021 mostrou que, entre 2019 e 2020, houve um aumento de 77% de materiais sexuais autogerados por crianças e adolescentes no mundo. Os números são perturbadores.

Então, com esse conhecimento adquirido, eu tenho uma mensagem muito clara e objetiva para todos os adultos sem escrúpulos que abusam de crianças: Se deem o respeito, meus senhores. E deixem nossas crianças em paz! Se quiserem colocar suas línguas para fora, que seja para articular palavras de ensinamento, acolhimento, empatia, boa conduta e para coibir e denunciar práticas criminosas.

Luciéllio Guimarães é jornalista, empresário, professor e estrategista de imagem pública