Recentemente, o novo CMO da Gap tomou uma decisão claramente incompreensível, pois mandou fazer um comercial típico de Natal, com toda a carga emotiva que a ocasião recomenda, para uma marca de roupas que pretende atingir um vasto leque de consumidores, de todas as classes, idades e “tribos”.

Até aí, tudo bem, mas a decisão de veicular o filme apenas nas mídias online, sem uma única presença na televisão, deixou diversos observadores mais críticos estupefatos. Como foi o caso do professor Mark Ritson, que dedicou toda uma coluna na Marketing Week para comentar e discutir o que teria levado os responsáveis pelo marketing e publicidade da Gap a não empregar o meio – em tudo o mais indicado – em seu esforço natalino nos dois principais mercados onde opera (Estados Unidos e Reino Unido).

É certo que todos sabem que a marca está envelhecendo e ainda não achou a melhor fórmula de rejuvenescer sem perder seu imenso mercado cativo, constituído por muita gente de mais idade, que simplesmente tem a marca como um default em seu guarda-roupa. Não é a primeira besteira que a Gap faz, como se sabe, pois no período natalino de 2010 ela simplesmente abandonou seu logo de 20 anos do dia para noite e procedeu a um caríssimo rebranding, sem maiores avisos, que custou uma fortuna e durou exatamente seis dias, com o rápido retorno da versão da icônica marca tradicional, após um vendaval de críticas vindas de todos os lados.

Desta vez a bobagem está na mídia, pois o comercial parece estar nos conformes das tradições da marca. Abandonar a mídia publicitariamente mais poderosa e carregada de emoção, especialmente no fim do ano, soa realmente incompreensível. É certo que a marca precisa se renovar, que houve uma queda muito grande de audiência da TV tradicional entre os mais jovens. Mas duas considerações devem ser feitas: a primeira é que a marca não está, definitivamente, ancorada apenas na população de menor idade; a segunda, que surpreende ainda mais, é que a TV continua sendo de longe o meio mais indicado para o caso.

Nos Estados Unidos, a TV fala com 92% da população total em um mês, e 89% dessa audiência continua assistindo o meio em seu formato tradicional. Estudo recente (junho de 2019) do VAB – Vídeo Advertising Bureau indica que os comerciais veiculados na TV tradicional atingem sete vezes mais audiência que no YouTube a qualquer momento do dia no caso da população com 18 anos ou mais, 33% mais que junto aos chamados millenniuns (18 a 34 anos) e 2,5 vezes mais pessoas na faixa de 18 a 49 anos. Sob qualquer ângulo, portanto, é um banho.

No Reino Unido, a TV (linear, diferida e BVOD) é responsável por 95% da audiência publicitária da população acima de 18 anos (dados do BARB, de 2018) e 87% dos jovens entre 16 e 34 anos. Isso significa que adição de TV ao mix de mídias não apenas ajuda a proporcionar uma maior eficácia geral da campanha, como também proporciona o melhor “impacto catalítico” de todas elas, pois todos os dados disponíveis assim o indicam. Estudo de 2016 da Accenture sobre o efeito halo da TV em campanhas multiplataforma no mercado americano indica que sem TV o ROI de uma campanha em paid search cai 21%, reduz seu efeito em 18% no caso dos displays e é 7% menor no caso dos vídeos online.

Sabe-se, por experiência de muitos milhares de campanhas ao longo dos anos, que os comerciais na TV com certeza impulsionariam o conceito de “impressão cultural” que a Gap parece tão interessada em alcançar com esse gênero de campanha. Daí a “incompreensabilidade” de ficar de fora de uma mídia que permanece – pelo que todas as pesquisas indicam – um meio singularmente eficaz para as grandes marcas.

Rafael Sampaio é consultor em propaganda (rafaelsampaio103@gmail.com)