Nos últimos anos, na tentativa de desacelerar o ritmo e reencontrar um equilíbrio entre corpo e mente, abraçamos o discurso de viver o momento presente com maior intencionalidade. Tentamos, com esforço quase ritualístico, criar brechas em nossas rotinas para cuidar de nós mesmos. Introduzimos alertas em nossos celulares para nos distanciar das telas, mesmo que por alguns minutos ao dia. Buscamos fazer atividades ao ar livre na tentativa de restabelecer uma maior conexão com a natureza e com a nossa intuição.

Mas, na busca incessante por bem-estar, nos entregamos ao paradoxo, desativamos notificações do nosso celular, mas seguimos vestindo nossos relógios e anéis inteligentes que monitoram cada passo que damos, cada batida do nosso coração, cada minuto dormido e nos lembram que ainda não batemos a meta de passos do dia.

Entramos em uma aula de yoga, olhos fechados, respiração profunda, e os pulsos vibram em sincronia. Por um lado, os dispositivos de monitoramento promovem uma maior atenção à saúde, o que é importante e pode nos trazer retornos positivos. Mas, por outro, tornaram-se uma ferramenta de auto aprisionamento para aqueles que, no fim do dia, se preocupam mais com as estatísticas de sono do que como se sentem de fato.

A questão que fica é: este monitoramento constante nos liberta ou nos aprisiona?

Depois de anos sem tirar os smartwatches do pulso, muitas pessoas já começaram a adotar o movimento de abandoná-los, ou pelo menos tirar férias deles, recuperando a liberdade de um corpo não mais vigiado. E não é coincidência que essa tendência emerge no mesmo momento em que a ansiedade se mostra cada vez mais presente na sociedade.

O monitoramento excessivo a partir dos "wearables" pode criar uma obsessão pelo controle absoluto do nosso próprio corpo, nos causando ainda mais ansiedade. As tecnologias vestíveis trazem, portanto, oportunidades, mas também desafios. Quando a relação com esses dispositivos se torna desequilibrada, a ansiedade gerada pelo monitoramento pode acabar ultrapassando e até mesmo anulando os benefícios pretendidos, tanto no cuidado com o corpo quanto na saúde mental.

"Acho que, para o número de vezes em que é útil, provavelmente há mais vezes em que é inútil, e me preocupa que estejamos construindo uma sociedade de hipocondria e monitoramento excessivo de nossos corpos". Esse frase de Helen Salisbury, médica de uma clínica em Oxford, demonstra bem esse desafio.

Talvez a liberdade contemporânea esteja naquilo que escapou à captura de dados. No esquecimento momentâneo de quantos passos damos no dia, na intuição restaurada da nossa disposição, no prazer de um sono que não precisa ser validado por um relógio.

O próximo passo da busca pelo bem-estar pode estar na ausência do monitoramento, no abandono do controle excessivo, no silêncio dos smartwatches.

Sabrina Abud é gerente de pesquisa da Koga