Há 20 anos, quando comecei minha carreira, meu sonho era criar grandes marcas. Daquelas que a gente vê em todos os lugares, como na casa (e, por que não, no coração) de todo mundo. Adorava os brandbooks, os livros com regras da marca, e passava horas procurando exemplos de grandes empresas. Quando encontrava um deles, era como ganhar na loteria. Ficava superanimado em dividir insights com amigos e analisar os direcionamentos. Borbulhavam ideias sobre como controlar o futuro das marcas. Em uma busca obstinada por consistência e disciplina, agia como um fiscal do que é certo e errado, apegado aos famosos "dos and don'ts". Não demorou muito para que o mercado e eu mesmo percebêssemos que tentar prever o futuro era uma tarefa frustrante e sem sentido – assim como o esforço de dominar toda e qualquer comunicação de uma marca.
Foi então que questionamentos sobre a minha profissão – e sobre o branding em si – entraram para ficar na minha vida e passaram a ditar a forma como direciono o crescimento do meu negócio. Como uma marca pode se manter relevante em um cenário de mudanças cada vez mais rápidas? Como ser desejada? Será que marcas ainda são capazes de influenciar pessoas? Ou pessoas influenciam pessoas? Dúvidas que exigiam muita reflexão. Por isso em vários momentos meus clientes e eu fomos parar no divã. Passamos por esse processo juntos e, hoje, além de grandes clientes e marcas, tornaram-se também grandes amigos.
Ajudamos o branding tradicional a evoluir desafiando conceitos estabelecidos, com um objetivo claro: fazer a diferença e criar um futuro mais positivo. Aqueles fiscais da marca de duas décadas atrás, com o livro de regras sempre embaixo do braço, deram lugar a líderes cada vez mais inspiradores. Entender os porquês e disseminar, envolver, engajar pessoas para serem embaixadoras se tornou a forma de gerir as marcas. E esse é um modelo de gestão que vai muito além do controle sobre o que é o certo e errado na comunicação. Pressupõe sobretudo viver os princípios e crenças do negócio.
Neste caminho, a consistência deu lugar à coerência. Não consigo imaginar uma só marca relevante que esteja no mercado atual desconectada do contexto, longe das temáticas e das questões contemporâneas. Não se posicionar é ficar distante das conversas e das pessoas. Indo mais longe, não se posicionar é também uma escolha de posicionamento. Lá vamos nós para o divã novamente.
Um movimento está cada vez mais visível: os negócios estão se personificando, as marcas passam a buscar influenciadores e até CEOs assumem esse papel. Para se ter ideia, de acordo com a Nielsen, o Brasil tem hoje mais influenciadores do que médicos e advogados. E, considerando os clientes que estão batendo na nossa porta, não é exagero dizer que mesmo médicos e advogados estão querendo virar influenciadores. E o que acontece com os grandes influenciadores? Eles são marcas à procura de relevância. Um mega creator brasileiro, destes com milhões e milhões de seguidores, nos procurou para que o ajudássemos a construir o futuro da sua marca. E foi enfático: "quero deixar um legado, não apenas fazer qualquer coisa para conquistar likes e comentários".
Pronto, agora eu tenho um novo nó que me rende noites sem dormir remoendo o papel do branding na construção de marcas fortes. Afinal, se o que define uma marca é o papel que ela desempenha na vida das pessoas, precisamos refletir sobre uma nova maneira de ocupar este espaço. É inadiável pensar em novas formas de desenvolver e gerenciar marcas todos os dias. Aqui na agência temos uma única e inquebrável regra: tudo muda e isso nunca vai mudar.
Michael Porter, autor de vários livros sobre administração, fala que "estratégia é fazer escolhas, é abrir mão. É escolher deliberadamente ser diferente". Mas como fazer escolhas no Brasil, um país continental, diverso e de profundos contrastes? Como decidir entre o Brasil do Instagram e o Brasil real, do Oiapoque ao Chuí? O desafio é se conectar de verdade com o território e construir valor ao lado dos consumidores.
O estudo 'Tá Quente, Brasil!', da consultoria de negócios e dados Timelens, propõe um direcionamento ao analisar o que de fato impacta os brasileiros. Em 'Brasileiro, povo feliz x povo triste', por exemplo, questiona nossa fama de felizes inabaláveis, amplamente disseminada (segundo a BBC News, o Brasil é o 5º país que mais se considera feliz). Ao levantar milhões de menções nas redes sociais e buscas no Google, o estudo revelou que a pesquisa pela palavra "ansiedade" cresceu 71% nos últimos dois anos (foram mais de 87 milhões). Além disso, buscas por "estresse", "depressão" e "burnout" estão acima dos níveis pré-pandêmicos. E o hiperconsumo virou a válvula de escape para esse estresse acumulado – vídeos de consumidores da Shein destacam o excesso e o volume das compras; temendo o aumento nos preços, as pessoas fizeram crescer 363% as pesquisas no Google sobre taxação das compras na empresa chinesa.
O contexto é cheio de contradições, para qualquer lado que se olhe. E relevância segue sendo um objetivo para as marcas. Proponho, assim, que o branding mude a abordagem e assuma que ROX is the new ROI. Ou seja, obter Retorno sobre a Experiência é mais importante do que perseguir o Retorno sobre o Investimento. Segundo a Gartner, atualmente a experiência do cliente (CX) é uma das três principais áreas de investimento em marketing. Nós, especialistas em branding, acreditamos que CX deve ser o meio de conexão entre marcas e pessoas.
Precisamos ampliar a definição de "retorno" e investir na formação de uma comunidade. Isso porque, nessa estratégia, o retorno vai além do dinheiro investido versus dinheiro recebido. O engajamento se torna exponencial, verdadeiro e leal. Cria-se, assim, um time de embaixadores sempre disponíveis para cocriar, trocar e defender uma marca.
Pode parecer demasiadamente ambicioso, mas na verdade não é. Fazer a diferença na vida das pessoas é vital para as marcas, e essa jornada começa por percorrer, entender e resolver o maior número de problemas encontrados ao longo de todo o relacionamento com os consumidores. E, sim, conteúdo genuíno será fundamental para sustentar uma comunidade de influenciadores reais.
Deixo aqui um convite. Entre tantos contrastes, as modinhas digitais e as trends do momento, escolha a sua verdade e entenda seus limites. Afinal, nenhuma marca quer se tornar um cemitério de memes.
Ewerton Mokarzel é CEO e sócio da FutureBrand São Paulo