Durante a pandemia - que arrefeceu, mas ainda não acabou - a situação de “guerra contra o vírus” e a força da imprensa impulsionaram a adesão dos brasileiros à vacinação contra o Covid-19.

Mas o combate a outras doenças, infelizmente, não contou com tanta eficácia, mesmo antes desses dois últimos anos. Como bem destacou o médico sanitarista e fundador da Anvisa, Gonzalo Vecina Neto, no caso da poliomielite, ou paralisia infantil, o Ministério da Saúde apontou que a imunização atingiu cerca de 76% da população-alvo da campanha em 2020. O ideal seria uma cobertura de 95%.

Infelizmente, sem a devida comunicação, a população brasileira vem amargando uma das mais baixas coberturas vacinais dos últimos 20 anos contra doenças graves, que afetam principalmente crianças e adolescentes. Depois de ter atingido sua melhor marca em 2015, com média de 95,1% de pessoas completamente imunizadas, a média da cobertura ficou em 60,8% no ano passado.

Dados de 2017 já mostravam a queda na imunização geral e apontavam, além da falta de difusão correta da campanha junto à população, que existiam problemas na comunicação unificada no SUS com médicos, agentes de saúde das UBS e agentes que atuam nas comunidades. Pois, os médicos  e agentes de saúde não podiam ficar inseguros na explicação aos pacientes dos serviços prestados de vacinação completa nas unidades de saúde.

As verbas  do Programa Nacional de Imunizações (PNI) vêm diminuindo desde então. A comunicação sofre o corte do investimento “na carne” e, consequentemente, as campanhas educativas minguam ano após ano. A redução afetou as campanhas publicitárias em rádio, TV e internet, além de outdoors, cartazes, folders, cartilhas e folhetos educativos, distribuídos em postos de saúde e locais de grande circulação, como nos ônibus, trens e metrô.

Infelizmente, em 2017/18 aconteceram casos de pólio e sarampo no país, reacendendo o alerta amarelo. Apesar da campanha de vacinação, o Ministério da Saúde e especialistas encontraram alguns motivos absurdos para o aumento dos casos. Entre eles, o desconhecimento de alguns pais, que acreditavam na erradicação desses vírus por causa da caderneta de vacinação já preenchidas ou com a alegação de falta de tempo para ir até o posto.

Outros públicos esquecidos nas campanhas, além dos bebês e crianças,  foram os adolescentes, gestantes, adultos, idosos e imunodeprimidos. A vacinação infantil é obrigatória no Brasil, segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). No caso do Bolsa Família, por exemplo, a não vacinação das crianças leva à suspensão do benefício. Além da falta das informações completas na comunicação, outro detalhe que prejudicou a vacinação foram as fake news, para aqueles que são “antenados” nas redes sociais e receberam informações erradas, tipo, “não precisam tomar mais vacinas, além da de Covid-19…”.

Quem não lembra do Zé Gotinha? Criada em 1986, uma campanha de comunicação bem sucedida de vacinação contra poliomielite é, até hoje, símbolo da vacina. Além da polêmica sobre se campanha educa ou deseduca, fica o saldo positivo de uma experiência e a certeza de que é preciso buscar os motivos, continuar pesquisando, identificando metodologias e técnicas de maior aproximação com a população para que ela perceba a oferta de serviços e ações de saúde como direito de cidadania.

Diante desse triste retrato dos últimos 20 anos, e com o arrefecimento das campanhas de Covid-19, é forte a expectativa de que a comunicação das campanhas para aplicação de outras vacinas volte ao normal. Se o poder público não suporta sozinho bancar essa ação, que tal a união de várias indústrias farmacêuticas fazendo uma campanha geral de comunicação sobre as vacinas?

No ano passado, a farmacêutica MSD fez uma campanha multicanal de vacinação, menos a de Covid-19, com bons resultados. O objetivo era conscientização dos pais e responsáveis para levarem as crianças para serem vacinadas. Os resultados foram interessantes, com mais de 46 milhões de visualizações nas redes sociais e mais de 206 mil usuários acessando o portal da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBim), para agendamento.

Quando o assunto é o resgate da confiança da população nas vacinas, ainda há um caminho a ser percorrido, principalmente do ponto de vista da comunicação. Agora que a pandemia do Covid-19 está próxima de ser classificada como endemia, a esperança é que nossas autoridades se dediquem mais a essa questão, para bem e saúde geral da nação.

Mark de Szentmiklósy é presidente da Tugarê CDM