Há um debate em curso sobre a responsabilidade das empresas que utilizaram ou ainda utilizam as emissões de carbono sem restrições em compensar aqueles grupos que não o fizeram. A realidade é que ao mesmo tempo que os problemas ligados às mudanças climáticas vêm se intensificando, o que exige ações de mitigação, se observa uma grande discrepância nas emissões entre os diferentes setores da economia, como é o caso das empresas de petróleo.

Este tema encontra uma forte resistência, o mundo empresarial não quer que os efeitos adversos das mudanças climáticas sejam interpretados como uma admissão de responsabilidade legal, o que poderia desencadear litígios e pedidos de indenização em larga escala.

Um exemplo é o caso de Saul Luciano Lliuya versus a gigante energética alemã RWE, uma das principais fornecedoras de eletricidade e gás natural na Europa. Lliuya é um peruano que reside na região de Huaraz, que fica próxima ao Lago Palcacocha, cujos níveis têm aumentado nos últimos anos devido ao derretimento de áreas glaciais nos Andes, o que tem gerado certa preocupação. Afinal, o caso de uma enchente devastaria toda esta região, ameaçando toda a comunidade, que teme que acabe inundada por uma avalanche do Lago Palcacocha.

O pedido principal da ação judicial é que a RWE seja obrigada a pagar os custos referentes às medidas preventivas de forma proporcional à sua contribuição ao dano, isto é, à sua parcela nas emissões globais dos gases de efeito estufa, que é correspondente a 0,47%. Esse cálculo se baseia em um estudo publicado em 2014 por Richard Heede, do Climate Accountability Institute, uma organização ambiental. O estudo revelou que as atividades das 90 maiores emissoras industriais representaram, coletivamente, 63% das emissões de dióxido de carbono e metano entre 1854 e 2010.

O processo, admitido pelo Tribunal Regional Superior de Hamm, na Alemanha, tem potencial para gerar um precedente em matéria de justiça climática, especialmente porque a empresa de energia não opera no Peru.

Os advogados precisam convencer o tribunal em relação a dois pontos-chave: que  o Lago Palcacocha representa uma ameaça iminente à propriedade de Luciano Lliuya e que a RWE tem alguma responsabilidade nesse caso. Caso tenham sucesso no primeiro ponto, terão de demonstrar uma complexa cadeia de causa e efeito para responsabilizar a RWE, o que servirá como um teste para o uso das chamadas “ciências da atribuição” como prova jurídica. Essas novas pesquisas permitem identificar como as emissões de gases estufa contribuem para desastres climáticos específicos.

Um número crescente de ações judiciais relacionadas ao clima foi aberto  desde a assinatura do Acordo de Paris, que trouxe argumentos legais para que os tribunais interpretem o que os países devem fazer para conter o aquecimento global. Um exemplo notável ocorreu em um tribunal na Holanda em 2021, que determinou que a petrolífera Royal Dutch Shell tinha o dever de zelar pela proteção dos cidadãos holandeses e ordenou cortes significativos em suas emissões.

A ação movida por Luciano Lliuya, inteiramente financiada por doações, vai além de uma busca por indenização. Ela é vista por acadêmicos, ativistas e especialistas jurídicos em todo o mundo como um possível ponto de virada que poderia dar início a uma onda de ações judiciais buscando compensações por danos relacionados ao clima.

Nesse contexto, o risco que as empresas correm ao negligenciar ações para neutralizar as suas emissões de gases de efeito estufa é, entre outros, o de criar passivos ambientais que, inevitavelmente, serão questionados na Justiça em algum momento.

Ricardo Esturaro é escritor, administrador de empresas e especialista em marketing, estratégia e sustentabilidade
ricardo@esturaro.com