Ele lança a bola pra mim pela esquerda, tenho um corredor livre para evoluir e acelero sabendo que dois marcadores vão fechar essa avenida. Olho pro meio e sei que ele vai se posicionar entre os defensores. Mantenho a bola dominada até o último instante possível para evitar o choque e, aí sim, dou um tapa nela para o meio. Ele chega no espaço vazio, ajeita a bola com um toque e finaliza forte no ângulo. Vibra, olha pra mim e grita: “boa, pai!”.

Há alguns anos meu filho marca presença em algumas peladas que jogo. O lance acima aconteceu na última, possivelmente, uma das últimas. Ele começa a faculdade esta semana e suas aulas vão coincidir com os horários dos meus jogos. Um misto de alegria e tristeza me assolou no dia, a nossa troca de passes ficou tatuada em minha memória e comecei a refletir sobre o porquê.

No futebol, o lance que construí dando o passe para meu filho marcar chama-se assistência. Não é tão valorizado como o gol, claro, mas é essencial. Quando garoto joguei futebol e tive um técnico, seu Jairo, que sempre frisava: “você tem até o último milissegundo antes de chutar ao gol. Se aparecer alguém melhor posicionado, toca”.

Mas não é fácil abrir mão do protagonismo, do estrelato. Somos orientados desde cedo a brilhar. Deixar de chutar, rumo à consagração, para tocar e ver alguém
ser glorificado, pode dar uma dorzinha. Fazer o gol é gostoso demais. É preciso treino mental. Quando fui trabalhar em agências de propaganda me identifiquei rapidamente com o planejamento, possivelmente influenciado pelo Jairo. A possibilidade de entender o jogo e oferecer a bola para alguém marcar me encantou. Mas voltei a sentir falta do gol. Eu me inconformei, muitas vezes, com o que considerei falta de reconhecimento. Nem um tapinha nas costas? Com certeza fui rude e bruto em situações que poderia ter sido muito mais amável. Mas o tempo cura, amadurece, traz alguma sabedoria. E, no meu caso, ele trouxe mais humildade e facilitou meu entendimento sobre a importância do servir. O prazer que eu já tinha no campo também apareceu dentro da agência. Realizei-me.

Depois de uns anos, convidado a coordenar áreas digitais e de planejamento, busquei posicionar essas estruturas como facilitadoras e construir, junto com as pessoas, um escudo contra a vaidade que ainda assolava os ambientes.

Interessante perceber, hoje com mais clareza, que, ao assumir esse papel coadjuvante, assistindo com afinco e como propósito, a gente ganhava espaço e protagonismo na liderança de projetos e campanhas. Um equilíbrio desejado e necessário para todos. Brilhar sempre não é bom nem pra quem brilha, pois torna o brilhar cotidiano, mundano. Fica cada vez mais difícil alcançar e a consequência pode ser frustrante.

No final de toda essa reflexão, pós-futebol com o filhote, compreendi que tão importante quanto assistir é valorizar a importância de quem assiste. Elogiar essa ação e mostrar o seu impacto. Evidenciar e jogar o foco nessas pessoas é a melhor forma de garantir que elas não se extinguirão, estarão por perto. De certa forma, é o que venho tentando fazer como pai, deixando esse olhar como legado para meus filhos.

Porque dar uma assistência, em qualquer campo, é olhar pro outro. Perceber sua presença. Entender que se você favorece alguém, também se beneficia.
Por um mundo com mais assistentes.

Por um mercado com mais planejadores.

Leonardo Brossa é sócio da Quintal