O aviso presente no expediente do propmark, praxe nos jornais, de que “as matérias assinadas não representam necessariamente a opinião deste jornal, podendo até mesmo ser contrárias a elas”, aplica-se perfeitamente ao artigo do nosso colaborador Stalimir Vieira publicado na última página da edição da semana passada sob o título ‘Hora de parar tudo’.
De saída, já é preciso dizer que a ninguém é dado – felizmente – o poder de parar tudo, a não ser em regimes totalitários, os quais nosso colaborador reprime no primeiro parágrafo do seu texto enfatizando ser um democrata por formação, o que assinamos embaixo por conhecer suas ideias há muito tempo. Mas seu raciocínio, desta vez, caminha pelo sentido contrário da democracia. Sob o manto de defender nossas crianças e adolescentes, lançou ao ar ideias que só podem ser postas em prática pelo Poder Público e, se assim fizer, será uma intromissão nas nossas vidas, nos ensinando como devemos viver.
A conclusão do seu artigo no sentido de que “precisamos com urgência de um processo de reeducação para a vida, através de uma radical desintoxicação digital” me deu arrepios. Stalimir chegou a relativizar a liberdade de expressão, chamando-a de “suposta”. Ela não é suposta, meu caro amigo. Ela é real e deve ser preservada como o são os demais direitos individuais consagrados em nossa Carta Magna. Alguém fazendo uso da liberdade de expressão causou dano a outrem? Que seja punido pela Justiça e ainda assim somente após fazer uso do seu direito de defesa. E sem censura prévia, a qual, como bem disse a Ministra Carmem Lúcia do STF, “cala-boca já morreu”.
Em outro trecho do seu artigo, o articulista personifica o mal a ser combatido como “manipuladores inescrupulosos e mercenários irresponsáveis”. Está claro que ele usou de retórica para bater na inviolabilidade do direito à liberdade de expressão. Qual seria a sugestão do nosso colaborador Stalimir para combater “manipuladores inescrupulosos” e “mercenários irresponsáveis” do mundo digital e assim protegermos nossas crianças e nossos jovens? A mim me pareceu que o articulista defende a regulamentação das redes sociais. Só que regulamentar as redes sociais só servirá aos interesses de quem deseja, sem jamais confessar, controlar a informação. Isso porque a regulamentação como vem sendo debatida no Congresso Nacional, por meio do Projeto da Lei das Fake News, dará ao Estado o condão de forçar as empresas donas das redes sociais a retirar da internet conteúdo tido como fake. Mas quem vai determinar o que é mentira? Quem defende a regulamentação das redes sociais talvez não esteja percebendo que desse jeito entregaremos ao Estado a primazia de nos dizer o que é mentira e o que é verdade. Só que o Estado é uma ficção, um ser abstrato. Por trás dele há seres humanos tão falhos quanto quaisquer outros. Pois então haverá um carimbo para mentiras e outro para verdades para que o burocrata de plantão os use conforme suas conveniências, que quase sempre não condizem com o interesse público.
A disseminação de notícias falsas se combate com mais informação. Cabe ao Poder Público e à mídia o exercício do bom combate que, nesta seara das fake News, deve ser travado por meio da disseminação de informação verdadeira nas mesmas redes sociais fazendo contraponto às fake news. Nosso colaborador acertou em dizer que no Brasil ainda estamos muito focados em prevenir fake news com intenções políticas. Realmente há fake news hoje em todas as áreas da nossa vida.
Beira o sensacionalismo, por exemplo, o que muitos youtubers têm propalado sobre o poder quase que milagroso de determinadas vitaminas. Questione seu médico e ele lhe dirá o quão de exagero tem nesse parlatório todo da internet sobre suplementação alimentar. Mas sequer em questões de saúde devemos defender que a mão pesada do Estado censure quem diga bobagens. Devemos, isto sim, combater tais titicas com mais informação correta em todos os meios de comunicação.
Pegando carona no exemplo das vitaminas, emissoras de TV podem entrevistar médicos e nutricionistas para veicular reportagens em rede nacional e na internet sobre esse tema a fim de esclarecer a população acerca dos índices vitamínicos ideais em nosso corpo. Há canais no YouTube, como a versão brasileira da BBC e da DW (Deustche Welle), que têm feito boas reportagens desmistificando muitas “lendas urbanas” que repentinamente se espalham devido ao alcance quase que infinito das redes sociais. O Estado tem de propiciar condições para que mais e mais empresas de mídia possam enfrentar fake news produzindo conteúdos verdadeiros e com qualidade.
Uma espécie de trabalho de contrainformação que gera um círculo virtuoso para a própria mídia tradicional tão combalida pela perda de receitas publicitárias direcionadas ultimamente às empresas detentoras das redes sociais. Com um olhar atento para o que é fake news e tratando de produzir boas reportagens desmistificando-as, a mídia tradicional terá retorno em audiência na própria internet.
É desafiador e trabalhoso, mas o único caminho dentro das quatro linhas da democracia. Sem a necessidade de qualquer regulamentação simplesmente porque a mentira tem perna curta. Um conteúdo manipulador não resistirá a boas reportagens que o desmascarem. Resta, por fim, concordar com o nosso articulista de que celulares deveriam ser proibidos em salas de aula. Mas, de novo, não pelo Estado e sim por meio de decisão da direção escolar, seja ela pública ou privada, ou por vontade dos pais.
Tiago Ferrentini é diretor-executivo do propmark