Acompanhamos de perto o avanço acelerado e exponencial das inúmeras tecnologias de inteligência artificial com uma sequência incrível de soluções e possibilidades. E, embora IA não seja um tema tecnicamente novo, a velocidade das recentes evoluções nessa área, ao mesmo tempo que nos impressiona e encanta, também pode nos assustar quando refletimos sobre os seus possíveis impactos em nossas vidas – desde os mais óbvios, como no trabalho e na produtividade, até outros mais sutis, como a influência dos algoritmos nos nossos hábitos e comportamentos de consumo.

Privacidade, e a forma como as informações dos consumidores vêm sendo usadas, é outro tema amplamente discutido nos últimos anos. Especialmente com o avanço global das legislações de proteção e uso de dados e a entrada em vigor da regulamentação brasileira, a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). Quando combinamos essas duas sopas de letrinhas – IA e LGPD –, a conversa fica ainda mais complexa e é importante estabelecer os pontos fundamentais para navegarmos com fluidez nesse ambiente.

Com a experiência de quem avalia diariamente as possibilidades de marketing abertas pela tecnologia junto às responsabilidades que o seu uso acarreta, acredito que o fundamental é termos uma base segura a partir da qual possamos escalar nossos produtos e serviços. Ou seja, nossa primeira e maior preocupação como especialistas na área – ou, pensando pelo outro lado, como consumidores – precisa ser com a legitimidade e a segurança na coleta, no processamento e no uso dos dados pessoais dos consumidores.

Vale lembrar que algoritmos de IA se alimentam de grandes volumes de dados para o treinamento e aprimoramento dos seus modelos. Mas a coleta dessas informações ocorre várias vezes de maneira pouco evidente, ou mesmo imperceptível, o que pode não se alinhar ao princípio da transparência da LGPD. Sem saber, alimentamos esses algoritmos com informações pessoais a troco de algum serviço gratuito ou acesso a uma conveniência instantânea. É importante garantir que os dados coletados sejam, de fato, relevantes, que o seu uso seja limitado ao necessário e o consentimento para que isso ocorra seja obtido de acordo com a legislação, contexto e propósito da sua utilização. Mesmo com todos os avanços que tivemos, nossa privacidade e segurança seguem dependendo dos nossos atos, comportamentos online e da seriedade das empresas e aplicativos com os quais estamos interagindo.

O processamento de dados pessoais por marcas e empresas é o segundo ponto que precisa ser considerado quando avaliamos como devemos atuar na interseção entre IA e LGPD. Dados pessoais, transacionais e comportamentais são processados em modelos probabilísticos gerando novas informações individualizadas sobre hábitos, padrões, condições momentâneas ou preferências. Antes de processar esses dados, é muito importante avaliar sua acurácia e possíveis limitações que possam enviesar a assertividade desses modelos, reproduzir e amplificar padrões ou levar a recomendações incorretas. Informações processadas ou calculadas podem não ter uma base sólida de consentimento e qualquer decisão automatizada e apoiada por IA, além de poder evidenciar dados sensíveis, podem também ter implicações indesejáveis ou consideradas discriminatórias.

Em relação ao uso de dados, sabemos que, como indivíduos e consumidores, gostamos de receber ofertas e comunicações personalizadas e de acordo com as nossas necessidades e momento. E, nesse sentido, a IA pode ser uma grande aliada das empresas para a criação de anúncios hiperpersonalizados e altamente relevantes. Mas há que se tomar cuidados para que isto não incorra na invasão da privacidade das pessoas ou cause uma experiência assustadora ou intrusiva.

Inovação e conveniência devem ser equilibradas com ética e privacidade. Esses valores precisam ser vistos como complementares e não conflitantes. A LGPD estabelece diretrizes claras que devem ser consideradas pelas organizações na promoção da transparência e no respeito ao consentimento dos usuários. A IA tem o potencial de transformar e facilitar nossas vidas de maneiras incríveis, mas essa transformação deve levar em conta a privacidade e a dignidade humana. Assim poderemos garantir que os seus benefícios sejam aproveitados de maneira sustentável, contribuindo para uma sociedade mais moderna, produtiva e equilibrada.

Rovane Machado é diretor-executivo da  Marketdata
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