Fiquei aqui pensando e pensando sobre o que é e onde está essa tal inspiração tão necessária e desejada por todos nós que trabalhamos em alguma função criativa.
Penso muito sobre o meu lugar no mundo e sobre as batalhas narrativas e estéticas que vivemos. Sou uma pessoa prática, movida muitas vezes pelo desconforto: se algo me incomoda, quero falar disso, quero resolver  e muitas vezes meu jeito de resolver é filmar, trazer o assunto à tona, dar sentido.

Então o que me inspira é uma mistura de bater o olho em uma ideia e imaginar
ela pronta e usar minha praticidade para mobilizar um set para isso acontecer, ao mesmo tempo que gosto de cada detalhe do processo.

Não existe inspiração sem o fazer, sem a dedicação, o suor do trabalho, da pré-produção, das reuniões, os combinados nos corredores, esse embolar de acontecimentos que entram no trilho e na hora H no set de filmagem tudo faz sentido e a mágica acontece.

Quando me deparo com um roteiro novo de publicidade, ou quando estou numa sala de roteiro pensando numa futura série ou longa, o que me move é a possibilidade dessa ideia ser coerente com tudo que está à minha volta. Seja num set de filmagem, na cozinha da minha casa ou na relação com as minhas filhas, tenho sempre o desejo de ser coerente.

Então é muito precioso pra mim fazer parte de projetos em que as pessoas, marcas ou canais envolvidos tenham a consciência do seu lugar nessa corrente, sua responsabilidade com o que estamos pondo no mundo.

Outra coisa que me inspira e motiva: seja para vender um produto ou ter mais audiência em um streaming, vou sempre buscar um espaço para trazer pessoas que me provocam para estarem ao meu lado, ou buscar elementos que me mobilizam para o processo, esse frescor que tento garantir em cada projeto é que me faz vibrar.

Nos meus trabalhos autorais o que me inspira é ter a oportunidade de narrar o que decifro, me inspira traduzir em imagens uma contação da vida que faça as pessoas entrarem em contato com perspectivas novas.

Conceber uma forma de contar uma história e ver o quanto ela foi capaz de provocar reflexões é o que mais me dá prazer profissional hoje em dia. Em 2008, fiz um doc chamado Alphaville, outro dia um professor da USP usou o material em uma aula e uma coisa fantástica aconteceu, o vídeo viralizou, bateu mais de 1,5 milhão  views, muitos estudantes me escreveram. Sinto que ali eu coloquei o que sei fazer a serviço.

Essa inquietação misturada com um olhar poético e estético é o que me mantém inspirada. As mulheres e todo o universo feminino têm sido uma fonte de inspiração natural e permanente. Da reflexão sobre os cabelos enrolados fiz um curta para crianças, o Próxima! Da relação machista dos sets de filmagem criei um outro curta Enquadro.

Tenho feito muitos trabalhos que problematizam questões cruciais da contemporaneidade como a normalização da violência contra a criança.
Também documentei a jornada de Keit Lima, que deseja e vai levar sua inteligência da favela para a Alesp.

Escrevi roteiros sobre equidade de gênero e as dificuldades de crescer.

Então, aos 45 anos, no momento mais complexo da minha vida, acho que essa tal inspiração é resistência, uma forma de sobreviver e tentar entender a vida em seus processos mais cotidianos e profundos.

Sigo tentando.

Luiza Campos é diretora de filmes na Vetor Zero