Independentemente do resultado da investigação da organização do Cannes Lions a respeito do case ‘Efficient way to pay’, criado pela DM9 para a Consul, que ganhou o Grand Prix de Creative Data, o Brasil não terá seu brilho apagado na edição de 2025 do maior festival da publicidade mundial, realizado entre os dias 16 e 20 de junho.
Entristece o fato de uma das maiores agências criativas do país - e a segunda brasileira mais premiada do festival neste ano, com 21 Leões - alterar falas de jornalista em reportagem da CNN Brasil e de senadora norte-americana em um TED com o uso de inteligência artificial para ampliar os louros da campanha - que está sob suspeita de ser fantasma -, o que, se confirmado, é tão grave quanto a manipulação em si.
‘Efficient way to pay’ propõe um modelo alternativo de acesso a eletrodomésticos para famílias de baixa renda. Os consumidores testariam produtos mais eficientes e pagariam somente com base na redução mensal do consumo energético. Além da manipulação de imagens e vídeos, ninguém viu essa campanha no ar ou ouviu falar do projeto até ele ganhar o GP no Cannes Lions.
A reportagem do propmark entrou em contato com a Consul pedindo os resultados da ação e evidências de que o projeto de fato existe, como o número de consumidores beneficiados, mas até o momento obteve o seguinte posicionamento: “A marca reforça que não compactua com o uso e a disseminação de informações falsas em nenhuma circunstância e está tomando as medidas cabíveis em relação ao caso”.
Em nota, a DM9 admite que houve uma série de falhas na produção e no envio do videocase, que acompanha a peça, e informa que vai “instituir um Comitê de Ética em Inteligência Artificial, com a participação de membros externos e independentes de diferentes segmentos, para estabelecer diretrizes, promover debates e fomentar o uso responsável dessa tecnologia”.
Fica a pergunta: como uma agência do porte da DM9 não tem o controle de como é feito o uso criativo da IA? E como fica a Consul nessa história? Não tinha ciência de nada?
Enquanto a organização do festival não se pronuncia sobre o veredito final da investigação do case, o mais recente desdobramento da crise foi o desligamento do CCO e copresidente da DM9, Icaro Doria. Em nota, a agência informou que a decisão foi tomada em comum acordo e encerra um ciclo iniciado em 2022, marcado por conquistas criativas relevantes e a consolidação de uma nova fase da DM9 no mercado brasileiro.
O caso é grave, chocou e revoltou muita gente. Porém, vale repetir que isso não pode manchar a performance histórica do Brasil no maior festival da publicidade mundial.
No ano em que o país recebeu o título inédito de Creative Country of the Year e teve diversas homenagens durante o festival, o mercado recebeu nada menos do que 107 Leões, sendo seis Grand Prix e um Dan Wieden Titanium Lions. Foi o melhor desempenho da história do Brasil em Cannes.
Se o GP da DM9 for cassado, como aconteceu com o Leão de Ouro da DPZ para KY, em 1994, será um caso isolado da DM9 e não das outras 18 agências brasileiras e marcas que foram premiadas e merecem todo o respeito.
Só para recapitular: a Africa Creative foi a brasileira mais premiada no festival, com dois GPs, num total de 22 Leões; a GUT teve um GP e 15 prêmios; a Artplan levou o inédito GP de Industry Craft para o país; a AlmapBBDO conquistou o seu primeiro Titanium e a Droga5 o GP de Media Lions.
A lição que fica para todo o mercado é que agências e marcas precisam, sim, refletir e adotar medidas protetivas para o uso responsável de IA na criação e produção de peças publicitárias. O fato de ser uma tecnologia nova, ainda em desenvolvimento, não isenta os profissionais de terem ética e responsabilidade por seus atos. E a prática de campanha fantasma, uma vez comprovada, deve ser banida de uma vez por todas.
Frase
“É necessário cuidar da ética para não anestesiarmos a nossa consciência e começarmos a achar que tudo é normal” (Mario Sergio Cortella).
Armando Ferrentini é publisher do propmark