A troca de imagens das partes íntimas é algo comum no flerte contemporâneo. E, o que é mais quente que isso, é a forma como essa troca de imagens virou um grande negócio para plataformas e criadores de conteúdo adulto.

Uma rápida busca no Google com o termo "OnlyFans” e logo aparecem adjetivos como “estrela do OnlyFans”, “Sucesso no OnlyFans” e uma fala bem interessante: “'Pessoas consomem imagens, não meu corpo’, diz caminhoneira sobre OnlyFans”. É sobre isso que vamos conversar hoje: o consumo de imagens, a criação de estrelas na própria plataforma, o ingresso de artistas e a reputação desse povo todo.

O site foi criado em 2016 em Londres por Tim Stokely - que atua como empresário da indústria adulta há anos e já foi descrito pelo “The Sunday Times” como “o rei do pornô doméstico” -  com outra proposta: a ideia inicial era ser um espaço para influenciadores, músicos, artistas visuais e outros criadores de conteúdo reunirem sua base de fãs, em um ambiente exclusivo, somente para fãs como o próprio nome sugere e esses criativos monetizarem com conteúdos para essa base. Mas, no meio do percurso… o que bombou mesmo foi o conteúdo adulto, algo que Stokely já tinha experiência. E, foi a pandemia que ajudou a impulsionar o seu crescimento: em 2019 eram 10 milhões de usuários e, três anos depois, já são mais de 150 milhões de usuários cadastrados e 1,5 milhões de creators.

Em 2021, eles até tentaram mudar a imagem de plataforma de conteúdo erótico e até proibiu publicações com conteúdo sexualmente explícito, alegando problemas com as plataformas de pagamento. No entanto, essas milhões de pessoas não aprovaram aquela política e a repercussão foi muito negativa para a empresa que, sob pressão, teve que voltar atrás.

Cá estamos, apenas um ano depois, e o OnlyFans segue como uma grande plataforma global de compra e venda de planos de assinaturas exclusivas de perfis de criadores. Além de permitir a oferta de gorjetas e a comunicação direta entre as pessoas.

O site estima que mais de 300 pessoas já receberam acima de US$ 1 milhão (cerca de R$ 5 milhões). A líder de faturamento é o perfil GEM101, com 102,8 mil seguidores, e renda de US$ 29,6 milhões (R$ 153,1 milhões) em ganhos totais e US$ 3,1 milhões (R$ 16 milhões) em ganhos médios anuais. Aqui, no Brasil, MC Mirella, por exemplo, estaria faturando R$ 1,5 milhão por mês no OnlyFans o que equivale ao prêmio do BBB… Repito, por mês! E entrou até em desafio público com outra artista, a Tati Zaqui, que também estaria faturando quase 1,5 milhão no Privacy (app brasileiro concorrente do OnlyFans) em apenas três semanas após a criação da sua conta. O Privacy, aliás, começou o ano de 2022 com 55 mil criadores e mais de 3 milhões de usuários.

E cada vez mais atores, modelos, cantores, ex-realities e creators estão aderindo à essas plataformas em busca dos seus milhões, sem ter que ficar confinado em estúdios de emissoras e nem ter que entrar em disputas durante três meses.

E você deve estar se perguntando: por quê essas pessoas estão fazendo isso? Vou te dar alguns motivos:

1 - Por que essas plataformas pagam bem para os produtores de conteúdo. Um chamariz bom já que os valores de publiposts caíram nas outras redes sociais e a concorrência entre influencers aumentou muito nos últimos três anos.
2 - Por que é um espaço para gerar grana e fama.

3 - Por que o erótico vende desde que o mundo é mundo.

4 - Por que o consumo desse tipo de conteúdo aumentou durante a pandemia. Essa foi a primeira pandemia a acontecer na era digital. Ou seja, por mais assustadora e entediante que fosse, as oportunidades de entretenimento são maiores do que em qualquer outro período histórico. E, se tem procura, nada mais inteligente do que ter oferta.

5 - Por que o voyeurismo  (espiar pessoas em atividades privadas), exibicionismo (exposição de genitálias em público) e fetichismo (utilização de objetos inanimados ou interesse sexual por outras partes do corpo que não as genitais) explicam muitos fenômenos e criação e consumo de conteúdos dentro dessas plataformas. Por parte dos consumidores, a busca pelo conteúdo é até óbvia: o prazer. Mas a questão não é essa.

A questão é: imagem!

O mundo virtual permite que as imagens sejam espalhadas como uma bomba nuclear. A cada minuto, milhares de fotos e vídeos são publicadas na internet de acordo com a edição 2020 do infográfico Data Never Sleeps da Domo.

E por quê consumimos imagem?
Somos devoradores de imagens conforme bem pontua o cientista da comunicação e da cultura, professor Dr. Norval Baitello Júnior em seu conceito de Iconofagia publicado no livro "A era da Iconofagia: ensaios de comunicação e cultura” (Ed. Hackers, 2005): “A era da visibilidade nos transforma a todos em imagens, invertendo o vetor da interação humana, criando a visão que se satisfaz apenas com a visão” (BAITELLO JUNIOR, 2005, p. 30).

Ele pontua muito bem que a sociedade contemporânea inventou máquinas reprodutoras de imagens e o desdobramento da reprodutibilidade é a multiplicação exacerbada de imagens, inflacionando o "valor de exposição”.

E complementa: ”a era da reprodutibilidade técnica, contudo, muito mais abriu as portas para uma escalada das imagens visuais que começam a competir pelo espaço e pela atenção das pessoas. A Iconofagia é um fenômeno impulsionado pela indústria cultural e pela sociedade do espetáculo onde ao devorar imagens anteriores, toda imagem se presta a ser devorada pelas imagens futuras, impedindo-nos de dar-lhes uma significação mais profunda".

Em sua tese, defende que o excesso de visibilidade cega a percepção do homem para o corpo real e o leva a assumir um corpo virtual que prima pela distância e pela assepsia do contato com o real. Iconofagia remete a processos múltiplos de canibalismo supra e infra-humanos, nos quais corpos devoram corpos, corpos devoram imagens e imagens devoram imagens que são, por sua vez, devoradas por outros corpos.

E como fica a reputação social desses produtores de conteúdo?
Se formos pegar os índices de crimes contra as mulheres e membros da comunidade LGBTQIA+, indiscutivelmente, esses atores sofrerão mais com o julgamento público por uma questão lógica: o machismo enraizado na América Latina. E, se formos pegar os índices de crimes contra afrodescendentes, também o julgamento público pesará a mão por conta do racismo.

A reputação social não é uma métrica exata. O que nos ajudará a compreender o futuro das percepções é entender o Viés Inconsciente, ou seja, uma crença adquirida ao longo da existência e que se manifesta em algumas de nossas ações. A Neurociência explica os vieses inconscientes como mecanismos do cérebro frutos da organização da própria mente e que acontece devido às experiências vividas, lugares frequentados, conteúdos assimilados ou em consequência de nossas heranças ancestrais e/ou primitivas. Todos nós, em algum momento, já manifestamos Vieses Inconscientes vindos de pensamentos tendenciosos e opiniões equivocadas que fazem com que tenhamos juízos antecipados, generalizações, comportamentos estereotipados e discriminatórios. Na maioria das vezes, essas crenças ocorrem involuntariamente e, muitas delas, não têm relação com o caráter do indivíduo e poderiam até ser evitadas.

Então, a de se falar em qualidade dos pensamentos e da evolução da sociedade para majorar essas percepções. Enquanto estivermos sob óticas machistas e discriminatórias, a reputação será sob isso. E, não. Não está tudo bem! Mas, se estivermos sob uma ótica menos conservadora, mirando no futuro, e enxergarmos que o trabalho e a dignidade das pessoas é - além de um direito adquirido - um vetor importante para evolução da sociedade, ai sim, partimos para um outro prisma de reputação. O que vai definir o grau de estrelato de pessoas que exibem seus corpos, ou parte deles, em uma novela ou em uma plataforma como OnlyFans e Privacy, é somente a sua percepção e os vieses inconscientes que você carrega.

Luciéllio Guimaraes é palestrante, professor universitário estrategista de imagem pública e fundador da Imagem Academy