“O baixinho é f...!"

A expressão era comum no meio publicitário nos anos 70/80. O baixinho era Mauro Salles, nascido em Recife, no seu amado Pernambuco, que se tornou carioca após a mudança de sua família para Copacabana na década de 50. Frequentou e atuou nos circuitos de jornalistas, artistas, políticos e empresários, tecendo uma forte rede de relacionamentos e amizades

Formou-se em Direito e Jornalismo, foi redator-chefe de O Globo e fundador da TV Globo. O mundo da política lhe era familiar desde a infância (seu pai fora Ministro e Presidente do Senado). Natural que conquistasse posições também nesta área: secretário do Conselho de Ministros no parlamentarismo e Ministro da Indústria e Comércio; coordenador da eleição de Tancredo Neves, seria seu Secretário Especial.

Empresário de diversas empreitadas, sendo a de publicitário a mais notável. Fez parte da segunda geração de empresários que fundaram agências-líderes da indústria, como Almap, DPZ, MPM, Norton e a própria Mauro Salles, depois Salles/Interamericana de Publicidade.

A paixão pelo automobilismo levou-o a competir no circuito da Gávea num MG 1949, criar a primeira coluna especializada em automóveis (O Globo) e, no seu jeito de sempre liderar, presidir a Confederação Brasileira de Automobilismo.

Como Mauro Salles saiu do jornalismo para fundar uma agência de propaganda é uma das histórias mais reveladoras de seu ímpeto e talento. Aproximou-se de Max Pierce, poderoso presidente da Willys, (montadora de automóveis) que, em 1966, preparava-se para lançar a nova versão do Aero Willys. Pierce mostrou a Mauro a campanha de lançamento. Começou ali a história do publicitário ousado: ele não só criticou a campanha, o nome, a estratégia, como se propôs apresentar uma nova sugestão em uma semana, com a condição de que, se aprovada, teria toda a conta publicitária da Willys para a Mauro Salles Publicidade.

E assim aconteceu. Mauro rebatizou o carro como Itamaraty (com "y"), sugeriu incorporar os opcionais e aumentar o preço e conseguiu um impensável “collab” com o colunista social Ibrahim Sued, então o rei do “high society” brasileiro.  Convenceu senhoras da sociedade carioca (“As 10 mais”) posarem junto com o carro no Palácio do Itamarati e fez uma grande festa no edifício-sede da revista Manchete.

A campanha não teve um só anúncio. Naming, branding, comunicação 360, PR, segmentação, multiplataforma, clipping no lugar de CPM e até o uso de influencers, são técnicas e estratégias que só seriam definidas e utilizadas neste século XXI. E que já estavam todas, nítidas e explícitas, na campanha de lançamento do Itamaraty.

Alcançou resultados tão expressivos que o primeiro anúncio só foi publicado meses depois, como um case. O anúncio “Lançamos o Itamaraty sem um anúncio sequer. E nunca acreditamos tanto em propaganda” foi publicado na Revista Propaganda de abril de 1967. Assinado e pago, evidentemente, pela Willys. Bem coisa do Mauro.

Com uma equipe de profissionais de primeira e o apoio de seus irmãos, Luis e Apolônio, Mauro colecionou vitórias e impôs ousadias que resultaram em conquistas de expressivas contas publicitárias (Ford, GM, Autolatina, Unibanco, Bradesco, Souza Cruz, Editora Abril, Banco do Brasil, Brahma, Ambev) e em inusitadas soluções empresariais, que acomodavam interesse dos anunciantes e da agência, até a abertura da agência ao capital internacional, transformando sua Salles/Interamericana em Salles/DMBB e depois Publicis.

Já havia deixado o comando da agência para seu filho, Paulo Salles, quando retomou o papel de “fazedor de negócios” através da Interamericana, tendo sido importante fator na fusão Brahma/Antarctica (Ambev), na privatização da telefonia (Brasil Telecom) e na consolidação das empresas petroquímicas que resultaram na Braskem, nome, aliás, sugerido por ele.

Junto com seu irmão, Luiz Sales, atuou intensamente no fortalecimento da publicidade brasileira, liderando seus principais eventos: II e III Congressos Brasileiros de Propaganda, Conar, CNP, ABP. Batalhou pela internacionalização de nossa propaganda, trouxe para o Rio o Congresso Mundial da International Advertising Association e, adivinha? tornou-se seu Presidente.

O jornalista, empresário, político, líder, fotógrafo, professor era também, mestre, amigo e incentivador. Não há quem, tendo convivido com ele, não tenha uma boa história para contar, desde seu comprovado dom da ubiquidade (dizia-se que, se dois aviões da Ponte Aérea se chocassem, Mauro Salles estaria nos dois), de estar em todos os eventos importantes (familiares e profissionais), até a mania de ler todos os jornais ao mesmo tempo, marcando, recortando e jogando fora o que não quisesse, estivesse onde estivesse. Ou quando bancou o cupido entre a atriz Candice Bergan e o jornalista Tarso de Castro. Sua ousadia o levou ao próprio Henry Ford II para aprovar o nome do carro Corcel, desafio que a filial brasileira da Ford lhe impôs, na certeza de que não conseguiria.

Interessava-se sinceramente pelo desenvolvimento dos colaboradores e auxiliares (diretores, funcionários até os garotos do kartódromo de Interlagos), e principalmente, encarava todas as oportunidades profissionais, fazendo questão de dividir a vitória com os que estavam ao seu lado e através de centenas de palestras para profissionais e estudantes.

Mauro dedicou-se intensamente a outra de suas grandes paixões: a poesia. Paixão que desenvolveu desde sua amizade com Augusto Frederico Schmidt, ainda na adolescência. Partiu sábado, dia 11 e nos deixou seu ABRAÇO

O ABRAÇO

Nada mais humano e doce
Do que o abraço.
É o momento de querer:
Parar o tempo e perpetuar a felicidade;
Estancar as lágrimas e aliviar a dor;
Externar a amizade e o amor;
Derreter o gelo e aquecer a fraternidade;
Acabar com o egoísmo e isolamento;
Perdoar sem fingimento;
Esquecer a sua posição
Para amar a todos sem exceção.
(De seu livro “Coisas de Criança”; 1991)

Emmanuel Publio Dias é publicitário, professor decano da ESPM; trabalhou com Mauro Salles de 1974 a 2001