Sei muito bem que nenhum anúncio sobrevive a críticas. Uma boa ideia, uma ideia arrojada, pertinente, só costuma ser interpretada assim e aprovada corretamente, se for por alguém do ramo.
É um código que busca entrar em sintonia com o inconsciente coletivo, mas que, a princípio, é de deciframento exclusivo de profissionais de publicidade. Isso é garantia de sucesso? Depende do que se entenda por sucesso.
Lembro que trabalhávamos para sermos elogiados, por nossos chefes, pela concorrência, pelos clientes e pelo consumidor. Era isso que traduzia a qualidade do que propúnhamos. Acontecia, no entanto, de errarmos a mão. Às vezes, a suspeita desse erro aparecia em grupos de pré-teste das peças.
Conforme a interpretação que fosse feita da pesquisa, ajustes salvavam a ideia. Clientes mais conservadores preferiam abortá-la; mais ousados, mandavam tocar o barco em frente.
Um bom exemplo foi o garoto Bombril, emblemático personagem, criado pela DPZ, que ficou décadas no ar, graças à ousadia de um cliente que resolveu desconsiderar o resultado negativo do pré-teste.
E a campanha se tornou um dos maiores sucessos de todos os tempos na propaganda brasileira. Ou seja, as coisas não são simples, nem lógicas. Pesquisas e pré-testes não eram e não são garantia de nada, apenas apontavam e apontam reações de momento de grupos “retroinfluenciáveis”.
Na época, podiam, quem sabe, estar certas, pois levantavam problemas potenciais, expressados por representantes das consumidoras. Daí pra frente, cada um decidia o que queria fazer. A Bombril, empresa familiar brasileira (portanto, livre das regras rígidas, comuns na comunicação de empresas multinacionais), tomou o risco e ganhou.
É importante registrar que a “ousadia” considerada na ocasião, não tem nada parecido com o que se chamaria de ousado hoje. A proposta chega a ser ingênua. Por quê?
Porque, como escrevi no início desse texto, queríamos, em primeiro lugar, ser elogiados. Esse era o limite ético da nossa ousadia. O que mostra que há uma diferença importante no comportamento atual de agências e clientes com relação à aprovação de ideias.
O embate entre proposta ousada e resistência precavida mudou. O conceito de sucesso também mudou. Eu sei, por exemplo, que jamais seria elogiado por lembrar que um sanduíche anunciado pelo Kid Bengala, ator pornô notório pelo tamanho de seu pênis, enorme como o sanduíche, não caberá na boca do consumidor.
O cliente também sabe que não será elogiado. Não é, portanto, uma ideia em busca de elogios, mas em busca de impacto e viralização.
A próprio Burger King “confessa” isso na nota em que anuncia a retirada do filme do ar: “O BK sempre foi reconhecido por ser uma marca com uma comunicação moderna, bem-humorada e provocativa, que chama a atenção e cria conversas nas redes sociais”.
Argumento reforçado pela própria agência: “Conhecida por ser uma agência data-driven, a Jotacom sempre busca criar conversas e engajamento nas suas campanhas". Como dá para perceber, gerar “conversas nas redes sociais” é o novo briefing.
Stalimir Vieira é diretor da Base de Marketing
stalimircom@gmail.com