Uma das principais tendências para 2023 e para os próximos anos vem de um insight que foi apontado por Domênico de Masi, o famoso sociólogo italiano, em uma entrevista no Roda Viva, em 26 de junho de 1999 (disponível no YouTube). Domênico, que também criou o conceito de “ócio criativo”, falou nessa entrevista sobre o novo luxo no mundo. Ele disse o seguinte.

“Todos deviam começar a pensar sobre o que são os grandes luxos da sociedade contemporânea. O luxo é uma coisa rara. Era um luxo ter uma carruagem quando ninguém a possuía. Hoje, somando tudo, o que é raro? O tempo é raro. Um número enorme de pessoas tem a impressão de nunca ter tempo. Um segundo luxo é o espaço. Ter espaço. No Brasil o espaço é infinito. Porém, há poucos meses, pela primeira vez, a população que vive nas cidades superou os 50% da população mundial. Portanto, tempo, espaço e, depois, solidão. Nós precisamos também de momentos de solidão. Precisamos também de momentos de introspecção. E depois segurança. Precisamos viver num ambiente onde possamos passear e admirar a lua à noite, o sol de dia, com toda a segurança de que isso não nos cause problemas. Esses luxos somados são luxos que poderíamos ter gratuitamente...”

Realmente as grandes cidades cobram o seu preço quando a segurança não permite que se ande na rua tranquilo, distraído. Geralmente precisamos viajar para fazer isso. Ou para o interior ou para outro país. O silêncio também é raro, a começar pelos dispositivos eletrônicos, ou pelo nível de ruído. A horizontalidade que é avistar ao longe e não apenas o prédio ao lado ou o muro da frente.

É quase perceber que a vida que se tem no interior é muito mais repleta de valores do que se tem num grande centro onde existe a possibilidade de se ganhar mais, porém o preço a se pagar é maior. Afinal, silêncio, horizontalidade, solitude e quietude não são fornecidos por empresas de tecnologia. Estão aí na vida para serem incorporadas sem nenhuma assinatura mensal ou atualização de software. A busca pela saúde mental equilibrada é cada vez mais offline e desligada de tudo. As experiências voltam a ser mais importantes do que coisas. Amizades verdadeiras virão a seguir.

Ser ainda vai ser mais relevante do que ter. E por aí devemos seguir. Milhares de amigos que te julgam o tempo todo ou apenas cinco que você vê e se diverte com eles? Viver está quase sendo mais importante que ostentar. Caminhar é definitivamente mais relevante que chegar. A impressão que se tem é que a essência pode ter um papel maior no futuro, do que a atual febre de aparências de nossas redes e papos. Pós-pandemia e tudo o que fizemos nos últimos dois anos nos mostram que estamos vivendo esse momento em que estar em off, quando se escolhe estar em off, é uma conquista. Ser dono do próprio tempo sem gerar ansiedade é quase um IPO.

É uma caminhada pessoal sem dúvida que em alguns momentos se mistura com a conquista da sociedade, de um país, pois segurança e educação, tão necessários para uma vida plena assim, precisam ser fornecidos pelo estado. Aliás, aguardando o revogaço das normas e leis ilegais que permitiram qualquer um ter fuzil no Brasil. Esse papo mais existencial, perto do fim do ano, pode parecer emotivo, mas é mesmo sobre tendências de consumo, publicidade e comunicação. É quase que a certeza de que o mundo muda novamente e todos podemos ter luxo hoje em dia, quanto mais perseguirmos o que é raro de verdade. É o que desejo a você em 2023. Uma vida luxuosa como citou Domenico de Masi e repleta de experiências significativas.

Flavio Waiteman é founder-CCO da Tech and Soul
flavio.waiteman@techandsoul.com.br