Tive um cliente, fabricante de meias femininas. Embora pagasse pouco, era bastante demandador. Não bastassem os jobs relativos ao seu negócio principal, de vez em quando ainda pedia “favores” para seu outro empreendimento, um hotel no litoral.

Como gosto do que faço – verdadeira armadilha –, acabava sempre atendendo como cortesia a esses pedidos. Só que um dia ele exagerou. Trouxe uma solicitação que realmente exigiria tempo para uma solução.

Respondi que se dedicasse dez minutos àquele assunto, passaria a perder dinheiro com ele. Como bom entendedor do que envolve grana, aceitou a explicação.

Ocorre que, como profissional apaixonado pelo que faz, não consegui esquecer o assunto, embora sabendo que aquilo não me renderia um tostão furado.

Até pela “desobrigação” de resolver o problema, acabei pensando nele com mais liberdade e relaxamento. E cheguei a uma solução bastante original que, tudo indicava, seria eficaz. Impelido pela alegria da descoberta, liguei para o cliente.

Era uma sexta-feira, próximo da hora do almoço. Contei que tinha tido uma ideia para a questão relativa ao hotel. Perguntei se poderíamos nos reunir à tarde para que eu apresentasse o que tinha me ocorrido.

Surpreso, ele comentou: sexta? À tarde? Você não tem barco? Aprendi, com esse episódio, uma importante lição, relativa à cadeia de sofrimento no relacionamento entre clientes e agências e as agências e seus empregados e fornecedores. E compreendi o motivo desse sofrimento ter uma gigantesca desproporcionalidade, na medida em que a demanda se esparrama pelos diversos níveis de envolvimento na busca de uma solução. Num processo que lembra a velha brincadeira do telefone sem fio, o padrão de exigência e de responsabilidade cresce, através da evolução do dramatismo em cada mente comprometida.

É isso o que mantém um permanente estado de angústia no ambiente do trabalho. Já não se trata apenas de um job, com suas especificidades, cujas respostas objetivas podem ser complexas ou simples.

O que é inerente a ele deixa de ser relevante, sendo substituído pelo potencial de consequências individuais e coletivas à possibilidade de fracasso. Quando um profissional recebe uma tarefa, essa tarefa vai muito além do atendimento a um pedido do cliente, alguma coisa que deveria ser encarada com razoabilidade por fazer parte do escopo do próprio negócio.

O problema começa quando aquela ou aquele que se encarrega de trazer o pedido para dentro da agência, multiplica o peso da tarefa pelo efeito emocional que essa tarefa causa sobre si.

Tive a sorte de trabalhar em agências em que as demandas dos clientes não faziam a felicidade apenas do financeiro ou dos donos da agência. Todos nós ficávamos felizes em colocar em prática nossos talentos. Tínhamos consciência e éramos estimulados a acreditar que nossa capacidade de resolver era maior do que qualquer problema.

O resultado é que costumávamos levar ao cliente propostas que iam muito além do que ele imaginava. É preciso entender que, na grande maioria das vezes, aquilo que nos chega como alguma coisa que justificaria deixarmos de comer ou dormir por causa dela, não faria o cliente deixar de passear de barco na sexta à tarde.

Stalimir Vieira é diretor da Base de Marketing
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