Há três meses, o primeiro robô barista de Nova York foi contratado. Com um cartaz dizendo “humanos são imprevisíveis, deixe o robô fazer seu café”, Adam – um robô operado por inteligência artificial – começa seu turno diário no bairro de Greenpoint, no Brooklyn, pontualmente, às 10h da manhã, sem faltas ou atrasos. Ele é reiniciado todos os dias às 9h55min e serve 50 cafés por hora. Certamente um recorde absoluto em toda Nova York, que parece suprir o estereótipo (verdadeiro) do nova-iorquino retratado em 7 entre 10 filmes ou séries passadas na cidade: correndo na rua com um copo de café.

Quando penso em Adam, não consigo deixar de pensar em 2019. Três meses antes da pandemia, minha mulher, meu filho e eu nos mudamos para uma casa espaçosa em Williamsburg, a poucos quilômetros de onde agora trabalha o barista andróide mais famoso da região e “vidas”. Sem saber o que estava por vir, aos poucos fomos nos acostumando com o novo endereço – uma parte menos turística do bairro conhecido por seus restaurantes, lojas e murais – e nos habituando à nova rotina.

Quando tudo fechou e o mundo parou, só nos restou esperar, esperar, esperar... e fazer receita de pão caseiro. De tudo que fomos privados durante os meses de lockdown, não nego que uma das coisas que mais senti falta foi do cafezinho diário que eu pegava a caminho do metrô.

Após meses sem sair de casa, tomei coragem e, protegido com máscara PFF2, álcool gel e face shield, caminhei em direção ao café situado a dois quarteirões da minha casa. A partir daí, todo dia, antes de começar minha jornada de reuniões ininterruptas pelo zoom, passava pelo menos 20 minutos com o Albert, um barista humano de carne e osso, nascido no Texas.

Albert era o único ser humano, além de minha mulher e meu filho, com que interagi pessoalmente depois de meses em casa. Apesar de ser americano, Albert passou um tempo na Colômbia aprendendo sobre café, e a América Latina virou nosso assunto comum. Batíamos papo sobre futebol, família, sonhos e muito sobre saúde mental. Apesar de nunca termos visto o rosto completo um do outro, nos conectamos através de nossa humanidade. Ele me contava sobre seu sonho de voltar a lecionar para crianças em Houston e eu sobre meu sonho de voltar ao Brasil para dar um abraço apertado em meus pais e amigos. Ele sabia o nome da minha mulher, do meu filho e do meu café favorito. Eu sabia da sua mãe, da sua casa no Texas, da sua vida na Colômbia e fiquei uma semana em choque quando descobri que ele tinha apenas 27 anos. Aos poucos íamos celebrando juntos a vitória da ciência, a chegada da vacina e cada notícia positiva em meio a uma enxurrada de tristeza. De alguma forma, a gente se salvou durante aqueles longos meses.

Um dia, já em 2021, eu estava caminhando na rua e passei por um cara fumando fora do café. Ele me pareceu familiar, como um amigo de infância que há muito perdeu-se o contato. Mas ele reconheceu minha voz, me chamou e se apresentou. Ou melhor, se reapresentou. Depois do estranhamento inicial de finalmente descobrir o rosto por trás da máscara, nós rimos, tiramos uma selfie e passamos alguns minutos falando sobre a importância daquele momento.

Albert não servia 50 cafés por hora. Volta e meia chegava um pouquinho atrasado, tinha dias mais introspectivos e dias mais extrovertidos, e definitivamente não morava em seu local de trabalho. Mas eu não trocaria Albert por Adam por nada nesse mundo, com ou sem pandemia.

Trabalho em uma agência de marketing de saúde que começou a trabalhar com tecnologia e dados há 26 anos e está comprometida a desenvolver algoritmos éticos em inteligência artificial, focando no que nos faz humano para trazer resultados reais para nossa saúde e bem-estar, e que dados são tão preciosos quanto a inteligência de quem os coletou.

No fim do dia, se você quiser saber se o caminho que você ou sua empresa está indo em relação ao uso de IA está certo, basta se fazer uma pergunta bastante simples: como isso está te fazendo sentir? Um café com Adam ou com Albert?

Bernardo Romero, maker da Klick Health, e presidente do júri de El Ojo de Health & Pharma