“Sonhar é acordar-se para dentro”. A citação é do poeta Mário Quintana. E muito cedo, antes mesmo de saber o que era poesia, eu já sonhava. Em frente à TV, vendo meus desenhos animados preferidos, as séries, no cinema fascinado com as grandes produções de Hollywood, em especial adorava as animações e pensava: “É isso o que quero fazer”.

Meus recursos nesta época eram lápis, borracha e os bloquinhos que meu pai trazia do trabalho. E o primeiro passo, com este verdadeiro “arsenal tecnológico”, foi ilustrar. De um jeito autodidata, passei a desenhar o tempo todo.

Os papéis não eram suficientes, então extrapolei para a lousa da escola, os cadernos das matérias e até as provas (o que causou um chamado no colégio e uma bronca em casa). Meu universo era dos heróis Marvel, dos quadrinhos do Maurício de Sousa e das caricaturas que eu inventava. Seria este meu futuro?

Meus pais queriam que eu estudasse música também. Passei por um breve período de estudo de piano clássico, porém nos anos 1990 a MTV chegou com tudo. Como não sonhar em ser um rockstar?

Do air drums na frente do espelho para a bateria de verdade foi um pulo. Sim, tive minha banda de garagem. E toquei meus hits, minhas bandas preferidas, os sons que me fascinavam, e talvez este fosse o caminho - ser músico.

Eu gostava tanto de música que aproveitava minha coleção de CDs com esmero. Era mais do que escutar. Era prestar a atenção nas gravações, nos detalhes dos arranjos, na guitarra, no baixo e na bateria. Era também tirar o encarte do CD e admirar as artes, as diagramações das informações. Cada disco era um material riquíssimo de pequenas coisas que me inspiravam.

Para a minha sorte, no meio de tudo isso, acompanhava um trabalho que meu velho realizava por puro amor: o de luthier. Sua obsessão pela qualidade do violão clássico, a busca pela melhor madeira, o esmero em cada detalhe.

A preocupação constante com o som do instrumento, a insistência em aprender e executar somente o perfeito. Tudo isso igualmente me inspirava a não me contentar com nada menos que o excelente.

Os anos passaram. Não virei cartunista, quadrinista ou diretor de cinema. Virei publicitário e bebi da fonte de tudo o que sempre gostei para executar cada trabalho.

Sim, fiz animação para uma grande marca. Sim, ilustrei anúncios. Sim, cada traço riscado naquele bloquinho do trabalho de meu pai me ajudou a criar tantas campanhas.

Também ‘não’ me tornei aquele rockstar que um dia sonhei. Mas acumulei uma playlist de uma vida, o que me deu conhecimento para orientar produtoras, saber sobre sound design, escolher os ritmos mais adequados para cada momento.

Tive, inclusive, a oportunidade de compor uma trilha para uma grande marca, e hoje escuto e penso: “E não é que um dia eu iria fazer música mesmo?”

Moral da história: nossa história é importante. Se prestarmos atenção, passamos a vida acumulando um repertório incrível que é um bem valioso na hora de criar. Tudo vale.

O desenho animado, as músicas da adolescência, os filmes assistidos, os livros que devoramos, e o que mais fizer parte da nossa vida. Porque a gente começa a sonhar e a imaginar muito cedo.

O segredo é continuar imaginando.

Felipe Andrade é diretor-executivo de criação da Cheil