Sempre tivemos medo de errar. O medo é justificável: custa caro. Cada apresentação que não vingava, cada arte descartada, cada filme que morria na praia representava dias de trabalho, e dinheiro pelo ralo. A criação vivia sob tensão permanente. A primeira tentativa precisava, necessariamente, dar certo. Ou pelo menos não dar espetacularmente errado.

Aí chegou a IA generativa. Não veio para consertar tudo, como prometem os vendedores de óleo de cobra tecnológico. Veio com uma proposta mais modesta e, exatamente por isso, mais revolucionária: tornar o erro barato.

Quando você pode errar sem tanto risco, a criação respira. Aquela ideia mais soltinha, que você guardaria para o Dia de São Nunca? Testa. O conceito que faria o cliente se arrepiar na cadeira? Mostra. O caminho contraintuitivo que parece piada? Explora. Porque agora dá para ver como fica. Em minutos. Sem queimar a largada, o orçamento ou a relação com o cliente.

Não se trata de fazer mais do mesmo em menos tempo. Qualquer estagiário com pressa faz isso. Trata-se de fazer o que antes custava uma fortuna: experimentar de verdade. Dez versões de um anúncio, cada uma com o seu jeitão. Narrativas que se contradizem. Um universo visual inteiro criado só para sentir o cheiro, ver se tem cara de ideia boa. E jogar fora sem culpa se não tiver.

O mantra do “fail fast” sempre foi bonito na teoria. Falhar rápido, aprender rápido, pivotar rápido. Lindo. Só que, na prática, quando você falhava rápido, doía rápido também. Agora não. Segunda-feira você erra. Terça pivota. Quarta erra diferente. Quinta já está no caminho. O erro deixou de ser um acidente de percurso e virou parte do método.

Isso mexe até com a formação dos times. A clássica dupla de criação não morreu, mas ganhou um assistente esquisito: uma máquina que executa e faz de novo sem reclamar do horário, do briefing ou da alteração de última hora. Insubstituíveis, o redator e o diretor de arte agora têm um ajudante incansável, que abre horizontes e materializa ideias na velocidade do pensamento. Ou quase.

Para os clientes, mais testes significam menos apostas no escuro. Campanha ajustada, orçamento otimizado, solução que funciona de verdade em vez de achismo embalado como estratégia. A IA nos força a uma honestidade incômoda: teste antes de vender como verdade.

Tem gente com medo de ser substituída pela máquina. E serão. O criativo preguiçoso, acomodado, que acha que ideia genial nasce pronta na cabeça dele, esse sim corre perigo. Mas quem entende que criação é processo, que acertar exige tentar, que inovação tem mais a ver com persistência do que com iluminação divina ganhou o melhor parceiro que poderia aparecer.

A IA devolve algo que perdemos: a coragem de errar. Quando o erro não custa o emprego, o cliente ou o prazo, você volta a arriscar. Testa o improvável. Ousa o descabido. E, de repente, em meio a dez tentativas fracassadas, surge aquilo: a ideia que ninguém esperava. A solução que só existe porque você teve liberdade de errar até acertar. O jogo deixa de ser sobre propor a sacada certa em tempo recorde. Passa a ser sobre ter estômago para botar à prova múltiplas ideias até chegar à que funciona.

E convenhamos: isso é infinitamente mais honesto – e bem mais divertido.

David Levy é head de criatividade na Heads Propaganda, do Brivia_Group