Recentemente, a marca carioca Farm protagonizou uma crise de imagem gerada por um post em suas redes sociais. O objetivo da ação era um desagravo à violência que tirou a vida de Kathlen Romeu e seu bebê no início de junho. A publicação também tinha o intuito de homenagear a jovem de apenas 24 anos, que foi vendedora da loja Farm de Ipanema, na Zona Sul do Rio de Janeiro.

Em seu texto, o post trazia além de condolências à família de Kathlen, a informação de que a empresa disponibilizaria suporte psicológico e emocional aos seus colaboradores. Porém, o conteúdo causou grande impacto na internet e deu início a um boom de manifestações de usuários. Confira o trecho do post: “[…] A partir de hoje, toda a venda feita no código de Kathlen – E957 – terá sua comissão revertida em apoio para sua família, reforçando que nós também vamos apoiá-la de forma independente e paralela. Sabemos que nada que fizermos poderá trazer Kath de volta, mas nos comprometemos a acelerar ainda mais nossos processos de inclusão e equidade racial para transformar as cruéis estatísticas que levam vidas jovens negras como a de Kath a cada 23 minutos no nosso país. As vidas de Kath e seu bebê importam. Vidas negras importam. Aqui, hoje, sempre. Transformar é urgente”.

É notória a preocupação da empresa em seu discurso. Assim como é louvável um posicionamento da grife diante do que ocorreu com um membro de sua equipe. No entanto, é necessária muita precaução e gestão de riscos ao atuar em situações como essa. Diante de uma enxurrada de críticas, a Farm editou o conteúdo publicado e retratou-se prontamente, pedindo desculpas pela ação e informando que o código da oferta sairia do ar. E isso basta, será?

Tal situação nos traz reflexões importantes sobre o que fazer diante de ocorrências factuais. É óbvio que é importante que profissionais de marketing identifiquem oportunidades estratégicas para ações de branding, assim como iniciativas que alavanquem suas vendas. No entanto, tenho notado que nesses momentos, talvez impulsionados de boa vontade, alguns esquecem a real causa das coisas ou o impacto que podem gerar. Perde-se a sensibilidade e o bom senso e sobrepõe-se o lucro, o lead.

Inúmeras ações factuais já deram certo no mercado. No entanto, criar memes e viralizá-los, quando intencional, é algo a ser feito por profissionais altamente qualificados. Um bom exemplo foi a Rede de pizza Domino’s que aproveitou o buzz gerado na internet depois que um consumidor da Subway reclamou de uma entrega feita pela rede. Na ocasião, a marca pegou carona e desenvolveu uma ação em que compartilhava com a rival o seu manual de instruções sobre como fazer uma pizza. 

Outro case famoso, foi a disputa entre a XP e o Itaú. Após o lançamento de uma campanha do Itaú Personnalite, que questionava a efetividade e o trabalho das corretoras, a XP usou suas redes sociais para rebater as críticas feitas pelo banco e o próprio CEO da XP, Guilherme Benchimol, usou seu LinkedIn para responder o que considerou como ‘ataques’ na mensagem do Itaú. Na ação, além do posicionamento do executivo, a corretora de investimentos presenteou com coletes XP as pessoas que fizeram transferências bancárias do Itaú para sua carteira.

Por favor, não me levem a mal. É óbvio que estamos tratando de coisas completamente distintas. A questão aqui é bem mais profunda. Estamos abordando questões sociais impactantes, que assombram nossa sociedade brasileira há muito tempo. A violência, o racismo, o preconceito e a falta de segurança pública, independente do posicionamento de marcas, são aspectos de âmbito social que envolvem a sociedade civil e o Estado. Porém, no meio de tudo isso, estão os seres humanos. Cidadãos que lutam diariamente para sobreviver, num mundo repleto de injustiça e desigualdades.

Uma reflexão que gosto de fazer é a seguinte: sua marca quer entrar em alguma discussão ou apoiar alguma questão social apenas para “surfar na onda” ou porque realmente está envolvida no tema? Se for a primeira opção, você pode seguir em frente, mas as chances de dar errado são gigantes. Os consumidores são atentos e a preocupação com a sustentabilidade das marcas (em todos os âmbitos) é observada e acompanhada de perto. Acredite!

Ao avaliar este caso da Farm, apesar do desconforto causado, não consigo acreditar que tenha sido oportunismo ou até mesmo insensibilidade dos criadores da ação. Entendo que faltou um certo discernimento para compreender o momento, a causa, e, principalmente, o assunto. Trata-se de uma perda irreparável. E diante deste tipo de perda, não há oferta, promoção ou campanha que supra a dor dessa família e dos entes queridos da jovem Kath. Assim, acolher, sem pensar no negócio ou na obtenção de vantagens ou lucro, seria um ótimo caminho. 

Os profissionais de marketing digital têm que assimilar que nem todo o assunto dá abertura para campanhas ou ações comerciais. É preciso um olhar crítico muito intenso e aguçado, para exercer bom senso, valores éticos e morais. A linha aqui é muito tênue. Não há espaço para boas ideias, é preciso ir além delas. Analisar as consequências é algo que deve estar à frente de frases criativas e bem pensadas.

Consumidores são humanos, não são apenas leads. Seres pensantes e emotivos, eles são protagonistas, não marionetes. Por isso, entenda e decida até que ponto uma ação de marketing vale a pena ser executada. Querer aproveitar todas oportunidades de crescimento, sem analisar cenários, riscos, possíveis crises e impactos negativos e irreparáveis para a marca jamais pode acontecer. Mesmo que sua empresa faça uma retratação e consiga mitigar os danos em sua imagem, assim como a morte, algumas perdas em branding são irreversíveis.

Louize Fischer é head de growth na Macfor