Este ano eu conheci diversos mercados, visitei muitas agências e tive ótimos papos com gestores e profissionais de diversas áreas de comunicação. Além disso, tive o privilégio de conhecer um pouco mais do mercado do outro lado do oceano. Neste artigo, quero compartilhar tudo o que vi e aprendi.  

1 – A busca pelo modelo ideal

Quando entrevistei donos de agência este ano, fui com a pauta específica de entender as mudanças no modelo de negócio e me deparei com o surgimento de diversos novos formatos. Entretanto, também percebi uma busca pela valorização do modelo que ainda ganha muito com intermediação de produção e mídia.

O modelo do buffet livre – famoso fee mensal – ainda impera na grande maioria das agências. As mais tradicionais e que têm uma relação grande com as marcas ainda trazem  ótimos resultados para seus clientes, porém, estão muito focadas em mídia. Percebi que em algumas destas agências entregar digital não é algo muito importante e o que se entrega, além de representar uma fatia muito pequena no faturamento, é trabalhoso e muito custoso, uma vez que profissionais de alto desempenho e conhecimento digital são caros e raros.

Novos modelos de fato estão surgindo. Alguns estão focados em ser agências que se vendem como marcas, com propósito, linha de conteúdo definida e que estão se dando tão bem com isso que, além de entregar serviço, vendem mídia em seus próprios canais. Isto é de fato genial, uma vez que uma agência que se comporta como marca tem um target específico para comunicar e se engaja muito bem com ele, pela editoria e ações práticas dentro de seu propósito. Trata-se de um formato que vai bem também para atrair talentos, principalmente os mais novos, que buscam trazer seu talento para empresas que comunguem de seus valores. Muitas destas agências estão sendo compradas por grandes grupos publicitários e outras ainda resistindo de forma independente.

Aliado a tudo isso, ainda temos o fenômeno das “eugencias” pessoas que saem de agências e montam a sua própria, sozinho, com MEI para regularizar tudo. Este modelo entrega serviços específicos e para poucos clientes, um formato que já era utilizado anos atrás, mas que de fato em 2019 explodiu, criando aí um novo desafio para o mercado.

Paralelamente a isso, vi que lá fora a coisa está meio parecida. Agências novas surgindo com um tom de boutique, grandes agências fazendo mudanças em seus posicionamentos, mas a grande maioria ainda ganhando boa parte do faturamento entregando mídia e criação.

Olhando para daqui a alguns anos, prevejo uma entrega de serviço muito mais voltada para branding, criatividade e tecnologia, onde aí possivelmente as agências que hoje são e estejam se especializando nestas três disciplinas seguirão no jogo. Obviamente, como eu sempre digo, o futuro não chega ao mesmo tempo para todos, ou seja,  por muitos anos micros, pequenas e médias empresas vão precisar de uma entrega de serviço como é feita hoje, por eugencias, pequenas e médias. Ainda muito focadas em redes sociais e entregas menores de criação nestes canais.

2 – O veneno do ROI para a marca

Com a vinda da tecnologia e do digital, criamos promessas de entregas de comunicação agora totalmente segmentadas, com o dedo no pulso de cada KPI e trazendo para o jogo o famigerado ROI. Este conceito  otimizou muito as verbas de marketing das empresas, mas viciou o mercado, o que fez com que muitas empresas demandassem apenas da comunicação focada em ROI, pois agora tudo é mensurável e os gestores podem ter uma planilha grande, com cada centímetro do que foi feito pela marca no ambiente digital.

Isso tudo parece ótimo, salvo pelo fato que comunicação, publicidade e marketing é sobre gerar desejo, sobre prender atenção, mas acima de tudo, sobre gerar consumo. Por  mais que muitos ainda relutam dizendo que é um trabalho que beira o artístico, convenhamos, todos trabalhamos para que as pessoas comprem. No entanto, a compra, que sempre foi emocional, está com um elemento novo: o monitoramento diários das pessoas sobre as ações da marca . Nesta  lupa dos consumidores se busca também qual o propósito destas empresas: por que existem? O que fazem com todo o dinheiro, o poder e a tecnologia para que o mundo seja um lugar melhor? Preservam o meio ambiente? Ajudam em combater a desigualdade social? Como medir o ROI do sentimento das pessoas pela marca?

Vi em dois eventos internacionais este tema fortemente debatido por CMOs e CEOs de grandes empresas, onde muitos focaram no ROI e deixaram a marca de lado. Porém, com a baixa nas vendas e no engajamento das pessoas com a marca, se percebeu que não adianta nada ter uma campanha bem otimizada em um buscador se o sentimento das pessoas pela marca é baixíssimo. O novo momento no mercado não está mais focado em ROI e  em “Conteúdo é Rei”, mas sim na marca. A força da marca é o que tende a ser o grande fator competitivo daqui pra frente.

Neste contexto,  um grande ativo é o quanto as pessoas confiam na sua marca. Você terá  que trabalhar a cada dia mais para que as pessoas entendam que sua marca existe também para transformar  o mundo em um lugar melhor. O Trust Economy vem forte aí,  meus amigos, e seu novo desafio é: “o  que posso fazer para que as pessoas confiem mais na minha marca?” Afinal, se  você quer mudar os resultados do negócio não basta mais melhorar o ROI, é fundamental  aprimorar o que as pessoas sentem pela sua marca.

Observe as  empresas gigantes criando diversos projetos de impacto social, ambiental e resolvendo dos menores aos maiores problemas presentes em nosso dia a dia.  Pela visão do consumidor, ele vai preferir cada vez mais dar o dinheiro dele para empresas que vendem o que quer comprar, mas que ao mesmo tempo estão comprometidas com um mundo melhor.

3 – Os dados que não serão mais nossos

Em 2018, vi muitos especialistas desenhando um novo cenário para comunicação, onde as pesquisas de campos não seriam mais necessárias, onde a indústria farmacêutica saberia tudo sobre nós apenas pelo simples fato de darmos nosso CPF ao comprar um medicamento. Ou podemos citar o Facebook, que traz a cada dia mais formatos de mídia, que sabe até se a pessoa está com bom ou mau humor. Este cenário, na verdade,  está com os dias contados.

Sempre fui um entusiasta dos dados, pois eles nos ajudam a ver e desenhar cenários que são vitais para tomada de decisão, mas existe um fator chamado privacidade que até agora estava sendo ignorado. Agora,  a luz pousou sobre este tema não apenas em discussões em fóruns da internet, mas também na União Européia, nos governos, na polícia, todos estão em cima do abuso de uso dos dados das pessoas. 

Várias das palestras que acompanhei neste ano mostraram como as pessoas são manipuladas pelas empresas, por saberem nossos dados de comportamento, consumo, onde vamos, quanto tempo ficamos, qual cartão de crédito usamos e qual nosso ticket médio e por aí vai. No Web Summit, a tão esperada explanação  de Edward Snowden nos levou para uma nova ótica sobre o tema, onde antes de discutir sobre a nova lei de proteção de dados, temos que discutir o quanto não queremos ou vamos permitir a coleta. Afinal, como Margarethe Vestarger nos ensinou, não podemos aceitar o abuso do indivíduo no digital, pois isso também não é aceito no offline.

Com o amadurecimento do uso da internet pelas pessoas e o entendimento delas sobre como as empresas usam tudo que fazemos para nos manipular, ao ponto de orientar nosso voto, começamos a entender que a era do bigdata é totalmente nociva para sociedade.  Em um mundo onde visualizamos no feed apenas o que é filtrado para vermos, a democracia de fato está a beira da falência e a polaridade de pensamentos é orquestrada por grandes empresas.Facebook, Google, Amazon, entre outras, nos trouxeram conectividade, expressão e tantas coisas importantes, mas que se aproveitaram  disso para enriquecer doando, vendendo e usando nossos dados de forma que nunca ninguém nos explicou como seria. Ok, nós aceitamos os termos sem ler, mas isso sempre foi um parte automática do processo. Vi grandes empresas de tecnologia contratarem psicólogos e psiquiatras para que estes tragam insumos de como essa bigtechs podem viciar as pessoas criando um novo filtro ou atributo para seus apps e que deixem as pessoas horas usando, olhando e falando sobre isso. Pera lá, isto está errado!

Pois é, meus amigos, o mundo está olhando para isso. Margarethe Vestarger está cheia de processos sendo redigidos enquanto você está lendo este texto para as grandes empresas não mais coletarem e usarem nossos dados ao seus interesses. O mundo mudou? Sabemos que sim, mas esta mudança tende a não ser mais data driven.

4 – A saúde que buscamos

Eu mesmo nunca li nada sobre saúde ou prevenção, no máximo vou no médico quando estou gripado, mas este foi o ano da busca por saúde no mercado de comunicação. Não apenas a saúde “convencional”, mas sim saúde para os novos problemas que a tecnologia e o digital trouxeram.

Com  todos os profissionais de comunicação que falei este ano, um dos grandes temas sempre eram “estou cansado, estou exausto, estou trabalhando demais, não consigo me concentrar, estou com medo de ter bournout”.  Talvez você que está lendo este texto se identificou, pois é um super assunto hoje no mercado: de um lado as agências entendendo que não podem mais glamourizar a pizza meia-noite e de outro um ativismo forte de coletivos e profissionais pela busca de um trabalho saudável, não apenas no ponto de vista de carga horária, mas sem assédio moral, sexual e sem mais ouvir gritos e batidas de mão na mesa durante as reuniões. 

Muitas pessoas buscam, sim, trabalhar em horário comercial, usar os finais de semana para lazer ou projetos pessoais e não mais dar o atestado da sua vida em troca de carreira e cargos C-Level. No meio desta conversa estão os clientes, que entenderam que muito do que ocorre é culpa deles, que pedem uma alteração às 18h de uma sexta-feira que irá  levar o final de semana inteiro para ser feita e precisa ser apresentada segunda às 8h. É exatamente isso que faz, muitas vezes, com que o dono da agência exija que os profissionais trabalhem final de semana, noites e noites adentro, pois não podem dizer não para o cliente que paga a conta e mantém o salário de todos em dia. É um assunto delicado, eu sei, mas como sempre digo, você pode ter dois partidos nestes tópicos: o de olhar e seguir como está ou o de olhar e tentar mudar.

O ponto aqui é que a aspiração de trabalhar em empresas que sempre foram desejadas está dando lugar para as pessoas saírem destes lugares e abrirem suas próprias empresas. Talvez em seus próprios negócios elas não tenham tanto status e dinheiro, e não irão para Cannes, mas em contrapartida, podem não precisar mais de medicações para se manterem acordadas ou para dormirem.

Ao discutir estes pontos do tópico 4 com donos de agências, muitos perceberam que não adianta mais boicotar ou ignorar  as pessoas que falam sobre esse assunto, pois eles precisam dos profissionais para trabalhar. Além disso, a maioria é bem intencionada para entender o cenário e mudar de fato. Existe muita gente disposta a mudar este jogo, mas também é importante ouvir o lado de quem gera o negócio e se arrisca empreendendo em um país que não ajuda muito os empreendedores. 

É preciso que todos se reúnam –  não por e-mail ou por qualquer outro meio digital, mas sim pessoalmente: clientes, donos de agência e profissionais para colocar os diferentes pontos de vista e criar um novo acordo do mercado capaz de trazer criatividade, entregas, tecnologia e resultados, mas que não custe mais a saúde mental e física das pessoas.

Em resumo meus amigos, não basta mais ter a melhor estratégia de marketing, os canais mais bem otimizados, um dashboard com inteligência de dados para tomada de decisão, precisamos focar de fato nas pessoas e nos problemas da sociedade, como marca, como marketing e como cidadão.

Rafael Martins é CEO do Share