Um tsunami chamado covid-19 varreu planos, metas e previsões de todos os setores da economia. Enquanto as empresas varejistas ainda discutiam como se adaptar ao consumidor 2.0, o distanciamento social e a restrição de circulação de pessoas criaram um cenário caótico para o setor. Mas antes de olharmos para o que o varejo pode esperar daqui para frente (e o que podemos esperar dele enquanto consumidores), há de se considerar três ondas históricas de transformação.

A primeira delas foi o merchandising como conhecemos hoje. Registros apontam que seu surgimento se deu nos anos 1930, quando as lojas passaram a decorar vitrines para atrair a atenção das pessoas. Porém foi a partir do final da década de 1980, quando a indústria passou a considerar a jornada de compra no planejamento de mídia, que o varejo começa a receber parte importante das verbas de publicidade em forma de ações de merchandising, dando origem ao que anos mais tarde o mercado chamaria de shopper marketing. Neste contexto ele próprio se torna um dos setores protagonistas sob a óptica de investimento publicitário.

A internet e o comércio eletrônico trouxeram mais uma importante onda de transformação, proporcionando para o consumidor a comodidade de conhecer novos produtos, comparar preços em escala e decidir a compra sem sair de casa. Criou-se no setor a agenda de revisão dos processos de mídia, logística e relacionamento com clientes, além da adaptação à própria tecnologia de vendas online.

A onda de transformação seguinte veio com o empoderamento do consumidor, tornando-o mais consciente de suas escolhas, bem como de valores sociais e sustentáveis. Inseri-lo no centro do planejamento e gestão (consumer centricity), elevar sua experiência (CX) e atendê-lo nos canais de sua preferência (onminichannel) tornaram-se questão de ordem na indústria e no varejo.

Esta cadência de ondas trouxe para o varejo um mar de desafios de oportunidades. Por exemplo, para as empresas de comércio de alimentos e outros itens essenciais coube o desafio de se adaptarem a um pico de super abastecimento por parte do consumidor (e às dificuldades logísticas inerentes), a protocolos de segurança restritivos em suas lojas.

Varejistas de categorias de produtos não essenciais em geral amargam impactos negativos mais importantes, com algumas exceções, tais como televisores e outros itens relacionados a conveniência doméstica.  Pelo fato de ainda não termos vivido todo o ciclo do vírus, não é possível fazer previsões assertivas, exigindo a criação de cenários que levam em consideração as possíveis curvas de demanda, relacionadas ao poder de compra durante a crise, seus efeitos psicológicos e aos protocolos de segurança a serem adotados. 

Compreender as ondas que impactaram o varejo, e o poder transformador que elas representam, é fundamental para a elaboração de tais cenários. Por isso a ABA, a partir de seu propósito de mobilizar o marketing como agente transformador dos negócios e da sociedade, bem como de sua vocação para o protagonismo colaborativo no debate dos grandes temas estratégicos de marketing, tem direcionado esforços para trazer luz às questões relacionadas ao propósito das marcas, tendências de comportamento dos consumidores e a atuação das marcas no momento em que vivemos.

Uma importante iniciativa da Entidade que materializa nosso protagonismo é a websérie para debater “Perspectivas – uma visão setorizada da inovação”. Contando com a parceria do Grupo Croma, e de seu fundador Edmar Bulla, a iniciativa inédita pela configuração setorizada pretende mostrar como a união, neste momento de preservação de vidas e negócios, é também importante entre concorrentes. Varejo foi o tema do encontro do dia 24 de junho, com a participação de Othon Vela, diretor de marketing do GPA, e Silvana Balbo, diretora de Marketing do Carrefour e diretora da ABA.

Os inscritos participaram e fizeram provocações aos entrevistados sobre as transformações causadas pela pandemia, aprendizados para o futuro próximo, crescimento de vendas online, inovação nas lojas físicas, proximidade com os clientes, entre outros questionamentos que foram respondidos pelos convidados em uma rica troca de experiências e conhecimentos do setor.  Segundo Silvana Balbo do Carrefour, o benchmark com outros países os ajudou muito. Tiveram receio da possível falta de comunicação, mas ocorreu o inverso, todos no Carrefour se mobilizaram e ficaram surpresos com os resultados. Já Othon Vela do GPA afirmou que no começo da pandemia, ficaram apreensivos com a questão de abastecimento de suprimentos para a população. Porém toda equipe do GPA se uniu, cada um dentro da sua especialização e com isso contornaram a tensão.

E o que o varejo pode esperar para os próximos meses? Nós da ABA listamos aqui algumas ponderações provenientes de nossa atuação junto aos líderes de marketing do país:

  • A experiência dos consumidores no centro das decisões, com ainda mais relevância.
  • A intensificação do uso da tecnologia em toda a cadeia de distribuição, especialmente no relacionamento com o consumidor, para atender a premissa anterior.
  • O reforço do vínculo através do propósito cada vez mais alinhado com os valores éticos e sustentáveis.
  • O uso ético e eficiente dos dados dos consumidores, não apenas tendo em vista a sanção da LGPD, mas em prol da transparência nas relações de consumo.

É impossível controlar o mar, mas monitorar todas as variáveis que formam suas ondas é fundamental para navegação. Assim como para uma atividade econômica tão importante para nossa sociedade, como o varejo.

Sandra Martinelli é presidente-executiva da ABA (Associação Brasileira de Anunciantes).