Com a expansão de ferramentas de inteligência artificial, como digital twins e avatares digitais, o marketing hiperpersonalizado pode ser ao mesmo tempo o melhor amigo e o pior inimigo de uma marca. À primeira vista, oferecer recomendações precisas e conteúdos sob medida parece o auge do relacionamento com o cliente. No entanto, quando a linha entre conveniência e invasão de privacidade é ultrapassada, surgem preocupações de governança, compliance e reputação que podem comprometer até mesmo as empresas mais sólidas.

Em muitos setores, especialmente aqueles que lidam com grandes volumes de dados, “entender” o consumidor e antecipar suas necessidades tornou-se uma busca constante. Cada clique ou busca revela preferências; ainda assim, pesquisas da Internet Society e Customers International mostram que 69% dos consumidores se sentem incomodados com a coleta de dados privados, e menos de um terço dos clientes bancários avalia seu atendimento como verdadeiramente personalizado.

Em cenários de alta concorrência, como fintechs, ecommerces ou até apostas, a hiperpersonalização atrai conversões e engajamento, mas também representa uma “faca de dois gumes”: aquilo que deveria aproximar pode alienar, gerando efeitos negativos à imagem da marca.

Existe uma linha muito tênue entre personalização e invasão de privacidade. Enquanto a personalização tradicional se baseia em dados gerais, a hiperpersonalização recorre a análises em tempo real e IA preditiva, fazendo com que alguns consumidores se sintam monitorados ou manipulados.

Um dos estudos citados pela MarTech revela que 47% os baby boomers ficam incomodados ao receber anúncios de produtos que mencionaram casualmente, e 81% dos usuários acreditam que smartphones ou assistentes de voz “escutam” conversas offline para direcionar publicidade. Ainda que, na prática, boa parte dessa impressão decorra de algoritmos e retargeting.

Para evitar esse desconforto, é fundamental adotar transparência ao informar o que é coletado, oferecer consentimento real com possibilidade de exclusão e reconhecer que nem tudo exige hiperpersonalização. Um pouco de equilíbrio costuma preservar a confiança do público.

Outra questão surge quando há foco exclusivo em IA e se esquece do aspecto humano. Ferramentas como Adobe Analytics, Mixpanel, Google Analytics 4 e algoritmos poderosos (Adobe Sensei, TensorFlow) identificam padrões de consumo, mas, se toda a interação for automatizada, faltará empatia para lidar com problemas ou necessidades específicas.

O consumidor não quer apenas recomendações, quer também suporte e canais de atendimento ao vivo, principalmente em situações complexas. Manter bom redatores e copywriter que dominem comunicação clara, somando habilidades de automação e sensibilidade na escrita, ajuda a equilibrar inovação e acolhimento.

Também se observa um excesso de segmentação e falta de contexto ao tratar grupos enormes como homogêneos. Repetir o mesmo anúncio para alguém que já concluiu uma compra indica que a marca não está usando dados de forma inteligente. Para solucionar isso, vale integrar big data e small data, considerando fatores comportamentais, mudanças de localidade ou hábitos recentes em vez de analisar apenas histórico de compras. Dessa forma, o consumidor se sente compreendido, não assediado por campanhas genéricas.

Um “custo invisível” da hiperpersonalização se manifesta nos gatilhos emocionais que podem levar a compras precipitadas ou até estimular comportamentos de risco em compras, jogos ou apostas. Contagens regressivas de promoção e alertas incessantes podem gerar desconfiança, afastando o cliente em vez de aproximá-lo. Seja responsável.

Nesse contexto, educar e dar opções ao usuário, mostrando como usar as ofertas de forma responsável, é essencial. Também se faz necessário conhecer bem a jornada do cliente, criar mensagens coerentes e estabelecer limites de frequência e intensidade nos comunicados.

Falta de empatia e oportunidades de descoberta compõem outro problema recorrente. Ao hiperpersonalizar, corre-se o risco de mostrar apenas o que o usuário já aprecia, fechando-o numa bolha de preferências. Assim, perde-se o potencial de variedade que as plataformas podem oferecer.

Investir na ideia de “serendipidade” — em que há espaço para o inesperado e o surpreendente — desperta curiosidade e favorece um contato mais amplo com produtos e conteúdos. Também é oportuno permitir que cada pessoa regule a intensidade das recomendações, conquistando maior sensação de controle.

Ajustar a rota não significa demonizar a hiperpersonalização, mas entendê-la como uma estratégia que deve ser cuidadosamente dosada. Ela pode aproximar marcas e clientes, aperfeiçoando serviços e fortalecendo vínculos, seja em um banco com soluções financeiras sob medida ou em uma casa de apostas responsável. Porém, é indispensável evitar saturar o consumidor e garantir sua privacidade e autonomia.

Nesse aspecto, ter uma estratégia sólida de comunicação e posicionamento, respeitar a LGPD e outras regulamentações, mapear riscos, manter políticas claras de coleta e retenção de dados, montar equipes multidisciplinares entre jurídico, TI e marketing e realizar auditorias periódicas é o caminho para minimizar conflitos. Acima de tudo, vale lembrar que o volume de dados não resolve tudo por si só: empatia, moderação e inovação "responsável" formam a base de um marketing sustentável.

Em ambientes competitivos, não basta dominar algoritmos, é preciso construir confiança, cultivar relacionamentos e ter uma visão de longo prazo. Marcas que equilibram personalização e privacidade, unindo tecnologia e atendimento humano com processos de compliance bem definidos, encontram terreno fértil para prosperar.

Afinal, o hiperpersonalizado não deve ser apenas uma tática: ele pode e deve se tornar um autêntico diferencial ético e perene, pautado pelo respeito ao cliente, pela criatividade e pela vontade de inovar sem atropelar limites.

Lembre-se: o mercado não fica saturado para quem une inovação, ética e visão de futuro. O hiperpersonalizado, então, torna-se uma ferramenta de diferenciação genuína e sustentável. Hiperpersonalize com responsabilidade!

Ricardo Bianco Rosada é fundador da brmkt.co