Viver e contar histórias que transformam é meu propósito, por afeto e por ofício. Impossível não trazer para o dia a dia corporativo aquilo que me alimenta além das paredes (ou telas) do escritório. Na verdade, acredito que essa relação interdependente entre afeto e ofício é fundamental na composição dos saberes que nos definem como profissionais.
Desde criança, o ouvir e o criar eram parte fundamental do meu dia. As brincadeiras envolviam cenas e roteiros bem estruturados. Uma delas era “O escritório” (risos) onde atendia personagens imaginários, todos com enredo próprio. A especialidade do negócio era contar para as paredes as histórias, muito elaboradas, dos meus clientes. Senhor Jurandir tinha uma filha que nunca voltava da sua viagem à França. “O gato da Marina acaba com os móveis da casa”, reclamava diariamente o moço.
Meu avô foi o grande incentivador de toda essa contação. Histórias antes de dormir, sempre inventadas. Tinham também uns disquinhos coloridos que escutava sem parar. Ouvia, e assim aprendi a criar as minhas narrativas.
Cresci e não virei artista, roteirista nem escritora. Escolhi contar histórias de outras formas: grandes eventos, projetos de patrocínio, plataformas de comunicação, gestão, planejamento, negócios. Meus escritos e palavras mais sentidas, seguiam guardadas, partilhadas apenas com quem me via bem de perto.
Chegou a pandemia, outros tempos, trabalho mais suave, e uma certa falta de movimento. As palavras vinham aos montes, saíam em disparada, mesmo dentro de casa. E me faziam companhia e povoavam os meus dias.
Publica! Era o que eu ouvia de fora. De dentro eu sentia: publicar um livro de poesia? Fazia sentido esse desvio? Neste momento, não deveria focar em algo “mais produtivo”?
Pensei bastante, abri a escuta, e em 2021 publiquei o “Entre__tanto”. Um movimento artístico, muito pessoal e sensível. Um projeto com etapas parecidas com muitos outros que já havia tocado, desenvolvido e criado para marcas e empresas. A diferença? Desta vez, a cliente era eu.
O processo foi de interdependência e conexão de habilidades. O resultado me faz sentir potente, por afeto e por ofício. E, sem dúvida, me transformou em uma melhor profissional, líder, colega e gestora.
Entendi que essa construção de repertório aparentemente desconexa, é, na verdade, fundamental para se entregar e existir plenamente na vida. Ser fiel ao seu desejo e essência. Seja na vida pessoal ou corporativa. Afinal, somos um, únicos, feitos de um monte.
Esse caleidoscópio de estímulos é um terreno fértil para o desenvolvimento de profissionais com um alto nível de adaptação, capazes de fazer sinapses disruptivas e conexões além do óbvio. Cultivar um pensamento multifoco com inspirações plurais é mais do que uma soft skill.
As histórias, cenas, cenários e poesia me ensinaram a observar melhor as pessoas e o mundo com sensibilidade, uma habilidade fundamental para quem trabalha com marketing e comunicação.
A partir de agora, quando alguém questionar seu interesse “estranho e sem objetivos práticos”, lembre-se: é justamente no espaço entre o afeto e o ofício que nascem as ideias mais originais e as soluções mais criativas. É no “entre__tanto” que nos tornamos realmente completos.
Fernanda Estrella é escritora e head de brand experience e insights da Be Mediatech de OOH