Esse cara nasceu com uma aptidão extraordinária para as ciências exatas. E, para estarrecimento de muitos da sua idade, adorava estudar. Prazer era uma biblioteca cheia daqueles livros grossos, mas tão grossos que, às últimas páginas, só chegavam as traças e ele.

Sempre acreditou que conhecimento poderia mudar o mundo e queria fazer parte disso. Nem que tivesse de abrir mão das festinhas e da praia. Era branquelo e, devido ao desprezo pelos exercícios, tinha o corpo um tanto esquálido, pouco encantador para as meninas. Mas conseguia enxergar, por meio de complexas equações, novas realidades, novos mundos. Usava o complexo para criar o simples.

Foi estudar em uma universidade no exterior, para a qual foi aprovado entre os primeiros. Contava isso em voz baixa, tímido. Lá fora fez sucesso. Começou uma startup que hoje se transformou num gigante digital presente em vários países, inclusive no Brasil, onde se sentia na obrigação patriótica de fazer a diferença.

Pejorativamente, alguns se referem a ele como nerd.

Esse outro cara nasceu com intimidade com a bola. Como tantos outros garotos, sonhou com os grandes estádios, as torcidas apaixonadas. O seu futebol era no terrão. Dividia a sua paixão com as obrigações de filho de família pobre, fazendo uns bicos pra ajudar em casa. Mas a esperança sempre embarcava com ele nos ônibus lotados a caminho das peneiras. Jogava muito, mas agarrava na tela fina de uma peneira atrás da outra, afinal, não tinha padrinho, dependia tão somente da alegria das suas pernas. Mas um dia a sua sorte mudou. Em mais uma das peneiras, entrou e fez um golaço. Foi escolhido.

Dado um passo, começava outra batalha, dos treinos distantes, da força mental de menino sempre desafiada, afinal, se os que passavam na peneira eram poucos, os que seguiam adiante eram menos ainda. Mas o destino lhe sorriu e ele conseguiu um contrato. Magrinho, mas ele ia jogar no profissional. Estádio cheio, ele brilhou. Daí tudo começou a andar mais rápido.

Novo contrato, novos clubes, carro novo, carro mais novo ainda, casa de bacana, casa de mais bacana ainda. Transferência pro exterior. Alegria das torcidas.

Pejorativamente, alguns se referem a ele como boleiro.

Esse último cara veio ao mundo com o dom para as ciências humanas. Desde pequeno, era um observador do comportamento das pessoas. Cheio de porquês, mantinha acessa uma curiosidade insaciável.

Tentando achar respostas para tantas interrogações, começou a ler quem havia se debruçado sobre o assunto. Leu filósofos, antropólogos, sociólogos. Ouviu músicas, leu poemas. Escreveu músicas e poemas, que depois jogou fora. De tanto conviver com esses mestres, adquiriu o dom da argumentação. Cheio de assunto, carregava consigo a sedução das palavras.

Ao se aprofundar no comportamento das pessoas, cruzou com o comportamento das marcas, que queriam seduzir pessoas. Mergulhou fundo nisso. Fez faculdade(s). Ampliou seu conhecimento estudando e se encantando com os cases de comunicação como tinha se encantado com as músicas e os poemas. Agregou ao seu mundo de humanas a lógica das exatas, da tecnologia, dos algoritmos, mas com a sensibilidade de quem entendia as pessoas por trás dos números. Fez disso tudo sua profissão. E o sucesso foi só consequência.

Pejorativamente, alguns se referem a ele como marqueteiro.

Sempre achei “marqueteiro” uma palavra cheia de significados negativos, colocada nas manchetes com tudo que é tipo de maracutaia. Culpa de alguns marqueteiros políticos mal-intencionados, sem dúvida. Mas, na hora da generalização, é pejorativa para tantas e tantas pessoas incríveis que trabalham com marketing, em todas as suas vertentes, inclusive nós, publicitários.

Rodolfo Sampaio é sócio e CCO da Moma (rodolfo@momapro.com.br).