Nas últimas semanas, uma planilha anônima com avaliações sobre como é trabalhar com influenciadores digitais, elaborada por profissionais de marketing e comunicação, virou tema nas redes e grupos de WhatsApp desse meio.
Essa é uma notícia velha, porém. Proponho discutir o que essas avaliações revelam sobre as relações entre marcas, agências e influenciadores, que prefiro chamar de criadores de conteúdo digital.
A primeira questão é de ordem ética. O documento parece fofoca de bastidor, trocada numa mesa de bar. Claro que é curioso, fala dos perrengues compartilhados pelos quais passam os profissionais que a produziram.
As empresas preferem manter os detalhes de suas relações com clientes em confidencialidade. Por que seria diferente com os criadores? A motivação parece-me ser um misto de desabafo e desejo de educar o mercado.
Pelas reações de alguns dos criticados, pode ter seu papel. Esse é mesmo um mercado que precisa de mais profissionalismo.
Mas é ético expor os criadores publicamente, para além da mesa do bar? Que cada um decida. (Nota: o documento agora só é acessível a quem tem um convite).
Sobre as reclamações em si, embora algumas possam ser pertinentes, especialmente quanto a prazos e profissionalismo, muito do que está na planilha parece nascer da expectativa de que o influenciador entregue exatamente o solicitado, no prazo apresentado, sem sua participação na elaboração do briefing.
Talvez a turma contratada esteja pecando ao pegar o job sem questionar as condições que estão sendo oferecidas ou por falta de profissionalismo mesmo.
Mas parece haver incompreensão do lado dos contratantes. Os criadores de conteúdo não são apenas canais de divulgação e não podem, portanto, serem considerados como mídia somente.
São indivíduos criativos que conhecem o seu público como ninguém mais.
Ignorar essa capacidade é comparável a contratar uma agência de publicidade apenas para compra de mídia ou de PR apenas para disparar mailings, sem aproveitar seu potencial criativo e estratégico.
Num post com 1,3 milhão de views no X (@oibagi), a influenciadora Bagi trouxe uma perspectiva esclarecedora sobre essa dinâmica.
Ela agradece aos elogios que recebeu, mas afirma que a “escaralharam” por “dar muito pitaco no briefing”, cobrar alto e ter agenda difícil.
“Na moral, eu sou realmente a única influ que fala ‘galera, achei feio demais querer promover a marca com dancinha de TikTok? Não querem um vídeo bem massa com roteiro etc.?”, defende-se.
Diz também que seus cachês e sua agenda são fruto da demanda. “Sinal que tá dando certo”, comenta. “Aí a marca vem e fala: ‘e produzir tudo pra amanhã não dá não??’ Pior que... Meio que não dá não. Kkkkkk”.
Esperar que o criador de conteúdo siga exatamente o que lhe é pedido reflete uma visão autoritária de uma relação que deveria ser colaborativa – como fazem alguns clientes com as agências, não é mesmo?
O melhor caminho é engajar os influenciadores no processo de criação e no desenho das entregas, reconhecendo suas particularidades, linha criativa, relação com o público e sua disponibilidade e capacidade de produção.
Uma abordagem mais alinhada às técnicas de PR, que se baseiam no relacionamento, pode construir uma parceria de longo prazo, que vá além do pagamento.
Ao valorizar os influenciadores como parceiros criativos e não apenas como canais de divulgação, marcas e agências podem construir relacionamentos mais produtivos e alcançar melhores resultados em suas estratégias de marketing de influência.
Fabio Santos é CEO da CDN