Outro dia, estava em Brasília, e conversava com o CEO de uma agência que concentra seu faturamento no atendimento a governos. Perguntei se não tinham planos de prospectar contas privadas. De pronto, ele me arguiu: que contas privadas? Confesso que fiquei mudo. De fato, se eu fosse abrir uma agência hoje e sair prospectando contas, não saberia nem por onde começar. Tem razão o meu interlocutor da ocasião.

A agência em que trabalha vai muito bem, obrigado. Porque atende ao único segmento anunciante que ainda faz propaganda de um jeito parecido com o que publicitários veteranos aprenderam a fazer. E que, por conta disso, é quase tão rentável quanto o negócio já foi um dia. O resto se transformou numa gigantesca colcha de retalhos, que abrange desde operar mecanismos que mensuram a atividade de algoritmos até o episódio da aceitação de uma encomenda que não estaria mal se feita a gângsteres.

O caso recente, apurado pela jornalista Patrícia Levy e revelado pela agência Pública – A máquina oculta de propaganda do iFood – é emblemático. Tenho falado há algum tempo sobre a substituição da espirituosidade pela engenhosidade na publicidade.

Depois de ler a reportagem, fiquei com a impressão de que alguém capaz de engendrar um crime que não deixe pistas tem mais chances de se empregar na agência de propaganda envolvida do que um bom redator.

A agência foi incumbida de criar uma estratégia para sabotar a greve anunciada pelos entregadores de comida. Não, não foi o Carluxo, nem qualquer outro manipulador bolsonarista, agindo nas sombras do Gabinete do Ódio. Mas uma marca internacional notória e uma agência com CNPJ.

Utilizando-se de robôs, perfis falsos e agentes infiltrados com a missão de contestar e tumultuar as assembleias dos trabalhadores, a ação fez um grande estrago na mobilização por melhores condições de trabalho de uma categoria extremamente explorada e alijada de direitos.

Provavelmente, os publicitários macabros por trás do job diriam, à maneira de um chefão mafioso: “Nada pessoal, apenas negócios”. Aliás, como registra magnificamente em artigo sobre esse caso na Folha, o escritor Sérgio Rodrigues: “o arsenal do marketing na era das redes faz os velhos manuais de publicidade e propaganda parecerem a Ética de Spinoza”. É verdade.

O que fazíamos era, orgulhosamente, assinado não apenas pelo cliente, mas por nós, no canto superior direito do anúncios, em letras pequenas. Mas isso já era, é passado. Hoje, as agências se tornaram trincheiras, onde se entabulam táticas de sobrevivência e combate à concorrência e a qualquer coisa que possa prejudicar as marcas que a elas foram confiadas.

Como o mercado que ainda guarda características, digamos, saudáveis, está bastante concentrado em agências grandes, cabe ao restante dos players “especializar-se” em alguma coisa que, talvez, as grande agências não gostariam de ver seus nomes envolvidos. E surgem, então, essas aberrações como a agência macabra que se prestou a vender seu talento e sua capacidade técnica na promoção de práticas fascistas, como se fosse um job qualquer.

Stalimir Vieira é diretor da Base de Marketing
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