Impossível uma democracia existir sem o jornalismo livre. Pouco provável existir um jornalismo livre, sem a publicidade como seu pilar financeiro que permita essa independência. Igualmente improvável existir uma sociedade democrática admirável e próspera se esse jornalismo livre e bem financiado não corresponder com responsabilidade e alto nível a função de informar. Antes tudo isso era óbvio. Hoje, com as fake news nas redes sociais e com notícias reais, mas difundidas com viés ideológico, nada mais está garantido.
Por isso, percebemos o quanto é importante e valioso o jornalismo feito com isenção e profissionalismo e financiado com responsabilidade pelas marcas. A torcida em forma de jornalismo está ajudando a fazer o mundo que a gente vive hoje um pouco pior. E é importante proteger o jornalismo de verdade, que é a atividade nobilíssima dentro da nossa indústria de comunicação. Ele que ajuda a sustentar todo o status quo do desenvolvimento econômico e é o responsável pela autocorreção de uma sociedade. A gente só evolui com autocritica.
Mas o que acontece hoje é que estão usando os códigos sagrados do jornalismo para embalar visões de mundo que não são reais e, pior, a serviço de ideologias e projetos de poder. É preciso ficar atento.
1- Nem tudo o que parece jornalismo, se veste como jornalismo e usa os mesmos jargões do jornalismo como tom de voz sério, boa maquiagem e expressões faciais sérias é, de fato, jornalismo sério. Por isso, uma curadoria sobre a qualidade dessa atividade nos veículos é fundamental. E falar sobre essa diferença “editorial” também pode ser produtivo para a sociedade. Afinal, o jornalismo é tão importante para o brasileiro que basta uma bancada e pessoas de terno e gravata que nossos filtros baixam e aceitamos que aquilo é “verdade” ou representa algo que aconteceu. Mas é muito, muito simples identificar o jornalismo real de sua antítese. O jornalismo de verdade critica a tudo e a todos. Por isso, quando se critica só um lado, dai é torcida. E quem torce, distorce. O jornalismo de verdade geralmente não fala bem de ninguém. Pra falar bem tem a propaganda política. O bom jornalismo geralmente é crítico a tudo e a todos e nas opiniões não defende pessoas e não fomenta ódio às instituições. Outra maneira de identificar os torcedores/jornalistas é quando se coloca sempre um “mas” no final da frase para justificar algo bom ou ruim de seu time, quer dizer, de ações de pessoas que correspondem a sua ideologia.
Passei meses analisando os canais internacionais e nacionais e basicamente os canais que torcem e distorcem procuram dois movimentos. O primeiro é da empatia com quem assiste. As teorias conspiratórias deixam qualquer pessoa interessante, pois o fato é completamente novo mesmo sendo inexistente. O boato continua sendo irresistível e por enquanto não rende punição. Hoje, uma mentira e uma verdade em formato de notícia te levam ao mesmo lugar. A verdade é mais difícil e lenta de apurar. Ela meio que se esconde. Enquanto o fato e a invenção tiverem o mesmo peso legal e punitivo, as mentiras vão vencer e canais e programas assim vão proliferar.
2- A outra característica básica dos canais de jornalistas torcedores é o uso da palavra “liberdade”. Ela já foi usada para defender o “direito” das pessoas de fumar em locais públicos, no avião, em restaurantes etc. Essa palavra permite hoje que os congressistas americanos aceitem os massacres de crianças em escolas, num lobby muito eficiente e explícito da indústria de armas; a população russa apoia a invasão a Ucrânia para libertar o país de um presidente nazista, só que ele é judeu; e aqui, bem, também temos nossos problemas de distorção da realidade. E todas essas distorções começaram com a palavra “em defesa da liberdade...” e ocupam horas e horas de programação em formato jornalístico de telejornais, rádios e jornais. A publicidade é escancaradamente assinada e todos sabemos quem está pagando aquela mensagem. Todos os filtros possíveis acendem em nosso hipotálamo dizendo: atenção, isso é publicidade. É bem mais justo com a audiência. Com o jornalismo, porém, existe um quê de sacro e é importante a gente proteger isso. E nós, como publicitários e profissionais de marketing, podemos cuidar sobre qual tipo de jornalismo está recebendo verbas publicitárias relevantes para realizarem o seu trabalho. E vamos lá, assim fica fácil perceber a diferença entre torcedores e jornalistas de verdade.
Flavio Waiteman é CCO-founder da Tech and Soul
flavio.waiteman@techandsoul.com.br