O Facebook serve para que você tenha uma profunda descrença pela humanidade. Ou não. Como um grande painel da miséria humana, o Face é, antes de tudo, uma vitrine daquilo que somos. Para o bem ou para o mal. Para minha tristeza, muito mais para o mal. Tenho descoberto a mesquinhez, a burrice, a ignorância das pessoas muito mais do que conhecido seres humanos que merecem o tempo que perco com eles. Mas, tal como no garimpo, não quero me lembrar do tempo perdido com o barro da ignorância, com a água suja da estupidez e do preconceito, para comemorar as pepitas de ouro que surgem de quando em vez, recompensando o esforço de ler platitudes sobre cachorros, comentários políticos primários, humor grosseiro e vidas não vividas. Não bloqueio ninguém, pois me imponho ler todo mundo, assim como na vida sempre procurei ter ouvidos abertos. Se eu tivesse me fechado apenas no grupo dos que me fazem bem, teria perdido a oportunidade de conhecer pessoas maravilhosas, histórias encantadoras e aprender. Tal como na desgastada imagem do garimpo. Mas dia ou outro, a opinião que enriquece aparece faiscando na bateia, justificando o pé no barro fedido da ignorância. Mais do que só ignorância, mas também o preconceito e o ódio. E o português espancado sem nenhuma piedade.

E não digo apenas na grafia de palavras ou nos erros de concordância. Isso até que é passável. Estou me referindo à absoluta incapacidade de se fazer entender. Muitas vezes depois de ler uma postagem fico me perguntando que merda o autor ou autora estava querendo dizer. O analfabetismo funcional ulula (por essa você não esperava) em grande parte dos textos. E, sabemos, quem escreve mal, pensa mal. Você pode encontrar erros primários de ortografia, frases que poderiam se enquadrar como crime hediondo contra a língua pátria, mas com um sentido compreensível. Ninguém é obrigado a ter uma capacidade literária camoniana. Tive auxiliares domésticas que nunca tiveram intimidade com a palavra escrita, mas que me deixavam bilhetes nos quais eu entendia o sentido. Nas redes sociais, muitas vezes me percebo relendo textos longos, onde tenho dificuldade de saber que diabo o autor estava querendo dizer.

Aliás, foi o que fiz na vida inteira. E, assim mesmo, já me surpreendi não descobrindo o que algumas mensagens significavam. Do lado contrário – e existe – temos o literato. Gente que não consegue escrever simples. Incapaz de uma ordem direta. Amantes de adjetivos e circunlóquios, transformando uma mensagem que poderia ser facilmente compreendida, numa guirlanda de miosótis falsamente literários. Como esta merda de frase que acabei de cometer. E pensar que Machado de Assis, Monteiro Lobato, Zuenir Ventura, Chico Buarque, Fernando Pessoa, Nelson Rodrigues, Lygia Fagundes Telles, Saramago, Drummond, Eça de Queirós, Bandeira, Vinícius de Morais – e tantos outros – escreveram e escrevem simples, fugindo dos adjetivos em excesso e de palavras não corriqueiras. Não, não aponte em meus textos esses erros sobre os quais falo. Quem sou eu para escrever simples, mas com profundidade?

Não sou sábio o suficiente para ser despojado. Aliás, me lembro de meu professor de português no ginásio, quando os alunos me escolheram para ser o orador da turma. Minha primeira providência foi a de chantagear a família exigindo uma caneta Parker 51 de presente, que hoje eu sei obrigou meu pai a fazer um imenso sacrifício. Como se o instrumento tivesse alguma relação com a qualidade da escrita. Pois bem, de caneta nova e dezenas de folhas de caderno, redigi um discurso na minha opinião de qualidade literária irretocável. Tinha algumas centenas de adjetivos, nenhuma frase na ordem direta e palavras garimpadas com desvelo no dicionário. Umas 500 crases e acho que meia dúzia de ênclises e mesóclises. Diria que no nível de um Sarney adolescente. Todo orgulhoso, com a certeza de que iria dar uma profunda contribuição à oratória e ao beletrismo no Brasil, levei o discurso ao professor. Ele leu, coçou a barba, e sentenciou: “Meu filho. Você acaba de produzir um cagalhão florido”. Puto da vida, reescrevi o texto que, sem os adjetivos, circunlóquios e oras pois, foi reduzido a umas poucas frases. Enxertei casos da turma e fiz piada com os professores. Modéstia às favas, um sucesso. Ou – pelo menos – riram muito.

Lula Vieira é publicitário, diretor do Grupo Mesa e da Approach Comunicação, radialista, escritor, editor e professor (lulavieira.luvi@gmail.com)