A sabedoria popular costuma afirmar que determinadas pessoas que dominam muitos conhecimentos são homens e mulheres de sete instrumentos.

Mauro Bento Dias Salles, ou simplesmente Mauro Salles, era capaz de tocar o dobro disso e, se preciso, até o triplo.

Em toda minha carreira de jornalista do setor de marketing e propaganda, jamais conheci alguém assim, a não ser o próprio.

Claro que isso nem sempre levava à concordância das nossas conversas, mas no fim acabava dando razões a ele, com seus argumentos definitivamente convincentes.

Muito cedo aprendi a admirar sua figura sobre-humana, capaz de explicar para o ainda jovem, como eu na época, como funcionavam as coisas, nem sempre ligadas à atividade profissional do empresário que fundou a agência que acabou, em pouco tempo, transformando-se em uma das maiores do Brasil, logo após sua fusão com a Interamericana de Armando de Almeida.

Mauro será uma figura ímpar. No começo da minha vida como fundador e redator do então Asteriscos, deixei que a primeira coluna no extinto Diário Popular saísse com título errado (Asterísticos), por culpa exclusivamente minha, embora a revisão do jornal poderia ter evitado o absurdo.

Mas, o erro, ao invés de me abater, despertou-me um sentimento de dar a volta por cima e procurar fazer após seu segundo número, aí sim Asteriscos, o melhor do meu possível.

A partir daí, esforcei-me para fazer o melhor e nesse melhor cabia procurar relacionar-me com os principais empresários do mercado publicitário brasileiro, entre eles, um pouco mais tarde, a figura que considerei encantadora do ponto de vista de conhecimento humano, de Mauro Bento Dias Salles, que o mercado só o denominava pelo primeiro e último nome. Assim nasceu a Salles, mais tarde Salles/Interamericana, com a compra pela primeira das cotas societárias da segunda.

A partir deste momento, a Salles ganhou um fôlego surpreendente, graças principalmente ao hoje saudoso Mauro e seu irmão Luiz, que nos deixaram sem apagar suas luzes.

Tinha pessoalmente uma admiração especial pela dupla, o Mauro mais “briguento” (lutador como poucos) e o Luiz sua retaguarda não só financeira, como também conciliador em alguns choques do primeiro com alguém do mercado discordante de algumas das suas opiniões a respeito do desenvolvimento da agência.

Graças a ambos, porém, a alguns outros colaboradores, a agência logo se tornou em uma das maiores do país, principalmente quando julgada pelo seu desempenho estrutural. Mauro e Luiz não eram exatamente criadores de trabalhos publicitários que mais tarde, de outras agências brasileiras, passaram a brilhar em Cannes e em outros festivais internacionais da atividade.

Mauro, e aqui falamos dele, era  um empresário completo, citando repetidas vezes que a quem cabia brilhar com campanhas e até peças isoladas de publicidade não eram exatamente a agência e seus criativos, mas sim os clientes anunciantes da mesma.

Aproximei-me muito de Mauro (e mais ainda de Luiz, mas aqui por dispormos ambos de maior tempo para nossas trocas de ideias) e passei a admirá-lo ainda mais, quanto mais o conhecia. Lembrando o também saudoso Aurelio Campos, para ele, Mauro, o céu era o limite e não raro ele próprio desafiava esse conceito, ultrapassando no seu trabalho incansável qualquer tipo de barreira que embora raramente se opunha ao resultado dos trabalhos publicitários de sua agência, como também dos discursos que redigia a pedido dos presidentes das empresas clientes da Salles/Interamericana.

Graças ao pai senador da República, Mauro tinha acesso aos diversos comandos da nação, redigindo textos para discursos dos mesmos e convencendo os diversos setores que compõem um governo nacional de um Brasil gigante como o nosso que anunciar era preciso, caso contrário as grandes empresas particulares não jogariam vultosas verbas fora, sem o retorno pretendido por esses anunciantes.

Podemos dizer sem medo de errar que ele reinventou a propaganda brasileira, acrescentando ao brilho criativo de cada peça publicitária dos anunciantes não oficiais informações indispensáveis para as compras serem realizadas.

Senti muito a sua perda, lutadores e transformadores como ele não deveriam jamais deixar este mundo, ainda tão carente.

Descanse em paz, querido e inesquecível amigo, que sempre soube transformar tormentas rapidamente ao contrário das mesmas.

Armando Ferrentini, um grande admirador de toda a sua obra e de ideias que não foram adiante por motivos alheios à sua vontade, mas que no fundo, caso aprovadas, fariam o Brasil caminhar um pouco mais adiante de onde hoje se encontra.

Fique com Deus.

Armando Ferrentini é diretor-presidente do PROPMARK (aferrentini@editorareferencia.com.br).