Eu sei que a piada é velha. Mas o assunto de que vou tratar também é. De 1975, quando iniciei em propaganda, até o fim da década de 1990, ninguém parecia muito preocupado com timesheet. Era tão evidente a paixão com que os profissionais abraçavam o seu trabalho, que ninguém suspeitava que matássemos o tempo. Na verdade, até costumávamos matar, mas era sempre pelo bem da tarefa que estava sendo cumprida.

Não era incomum abandonar a mesa de trabalho no meio da tarde e nos enfiarmos numa livraria, onde ficávamos horas folheando livros diversos, de arte, de moda, de fotografia etc. Ou, quem sabe, entrarmos num cinema e prestarmos bem atenção em algumas sequências inspiradoras de um filme qualquer.

Pelo menos nas agências que forjaram as minhas convicções sobre criação em publicidade, jamais alguém perguntou quanto tempo eu gastara para criar determinada peça ou campanha.

Primeiro, porque habitualmente era bastante rápido, pela qualidade do resultado final. Claro que reclamávamos dos prazos inúmeras vezes, mas, com prazo ou sem prazo, metíamos a mão na massa vigorosamente, e nos saíamos bastante bem, principalmente por amor ao trabalho e respeito por nossos superiores, gente capaz de fazer melhor e mais rápido do que nós.

A primeira vez que ouvi falar em timesheet de perto foi, ironicamente, numa agência em que eu era sócio. Alguém, muito preocupado com controle de custos e formação de preço, trouxe a novidade, e instalou o sistema. Como não era minha área de ascendência, não quis criar caso. Até o dia em que houve uma tentativa de me submeter a medições. O tempo fechou e só não terminou em divórcio porque houve bom senso, não necessariamente da minha parte. Hoje em dia, todo o job, seja na agência, seja para um frila, vem acompanhado de um mecanismo de controle de timesheet, que o pobre criativo precisa preencher como se fosse um apontador de estação ferroviária. Brochante. Começar o trabalho, acionando algum aparato medidor da “produtividade”, me soa como desaforo.

Em caso de necessidade, aceito que alguém, preocupado em reunir as variáveis para a definição de uma conta a ser paga pelo cliente, me pergunte quanto tempo usei na tarefa. Posso falar de boa vontade; se achar conveniente, posso até inventar que levei mais tempo ainda. Mas não me venham com métricas, afeitas à desconfiança estabelecida, em tempos recentes, entre os pares do nosso negócio.

A normalização e a consagração do timesheet, como ferramenta imprescindível para a segurança de quem demanda e a adequação de quem é demandado, são reveladoras da “evolução” de um negócio que era baseado em arte aplicada (e aí residia seu sucesso como negócio), para um negócio baseado em números.

Não por acaso, propaganda é cada vez mais commodity. A originalidade da ideia, necessária para otimizar o investimento numa mídia muito cara, vai sendo substituída pela capacidade de escalar em velocidade, numa mídia muito barata. Ou seja, é preciso fazer muito e muito rápido. Antes, importava o quê; hoje, não.

Stalimir Vieira é diretor da Base de Marketing
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