“71,1% dos músicos britânicos relataram episódios de ansiedade e ataques de pânico em algum momento; e 68,5% afirmaram ter tido depressão”

É impressão minha ou hoje em dia todo mundo quer ser artista? Com a democratização do mercado da música promovida pela tecnologia, virtualmente qualquer pessoa pode gravar seu trabalho musical a baixo custo e lançar mundialmente pelas plataformas de streaming. Mas, isso é suficiente? De acordo com o Music Business Worldwide, só o Spotify abriga 38 milhões de canções que nunca foram ouvidas e outras 67 milhões que receberam menos de dez streams.

Esse total representa quase metade das músicas disponíveis na plataforma, dado que indica que apenas lançar uma música tá longe de tornar alguém um artista.
Foi-se o tempo em que pais e mães se descabelavam de preocupação com um filho que, em vez de profissões mais tradicionais como advocacia ou medicina, optasse pelo caminho da música. Digo isso porque, como consultora de planejamento estratégico para carreiras artísticas, recebo cada vez mais pais e mães interessados em dar suporte para seus filhos, oferecendo inclusive o mesmo suporte financeiro que ofereceriam para a montagem de um consultório, por exemplo. É que, assim como esses pais, cada vez mais pessoas percebem que música, para além do seu valor simbólico, é uma atividade econômica potente e em franca expansão. O PIB das indústrias criativas cresceu 50% a mais que o PIB do país, e só o mercado fonográfico faturou 2,5 bilhões de reais em 2022, registrando um expressivo crescimento de 15% em relação ao ano anterior. Gente, cá entre nós: qual outro mercado cresce a essa taxa? Como ouvi recentemente, “investir em um fonograma do Gilberto Gil é mais seguro e rentável do que investir em ouro”.

E o que eu digo para esses pais e artistas que me procuram pedindo orientação? Ora, uma carreira artística exige tanto planejamento quanto qualquer outro negócio. Assim como em outras carreiras e outros negócios, ser artista vai exigir investimento de tempo, energia e dinheiro, então o primeiro passo é saber alternar o boné de artista e o boné de empresário, e, claro, investir em educação formal, tanto na área técnica musical, quanto na área de negócios, de modo que, além da uma música de excelência, o artista tenha também um plano de negócios com objetivos e estratégias claras, organizados em um cronograma exequível e acompanhando de um planejamento financeiro detalhado.

É verdade que essa sobreposição de funções (artístico e empresarial) expõe os artistas ‘a uma forte pressão, e muito tem se discutido sobre a saúde mental desse grupo. Uma pesquisa da Universidade de Manchester, no Reino Unido, revelou que 71,1% dos músicos britânicos relataram episódios de ansiedade e ataques de pânico em algum momento; e 68,5% afirmaram ter tido depressão. Sinais de um tempo em que os artistas são cada vez mais exigidos a terem lançamentos constantes nas plataformas de streaming para alimentar o “tal do algoritmo” e pressionados por intensa produção de conteúdo nas redes em busca de engajamento e ampliação de público. E nem falamos dos shows ao vivo!

Enfim, como empresária artística há 23 anos, sei bem de tudo que envolve o lançamento e a manutenção de uma carreira na música. Um mercado desafiador, em constante transformação, com altos riscos mas também oportunidades de excelentes retornos. A boa notícia é que, como professora, atividade que exerço com paixão como missão pessoal, tenho visto cada vez mais artistas e produtores alcançando seus objetivos ao buscarem capacitação. Como disse Émile Zola, “o artista não é nada sem o dom, mas o dom não é nada sem o trabalho”.

Anita Carvalho é mestre em economia criativa pela ESPM, empresária artística e diretora acadêmica do Music Rio Academy