Pode ser porque os governos não cuidam mais das pessoas como deveriam e elas acreditam que as empresas deveriam assumir esse papel. Pode ser pelas regras ESG, que impactam cada vez mais o valor das empresas e suas marcas e até o valor de suas ações na bolsa. O que importa é que as empresas estão chamando para si temas importantes de evolução social. Quando é pra valer, as pessoas percebem. Quando é só discurso, também. Mas alguém aí duvida que o mundo não esteja precisando desse engajamento das marcas na mudança que o mundo precisa?

A audiência global evoluiu e quer outros discursos e outras respostas em troca de sua atenção que vai ser monetizada. Querem verdade de quem se aproxima. Isso vale para pessoa ou para marca, que nas redes vira uma “pessoa”. As condições e exigências são iguais. E o que acontece hoje é que Cannes é a polaroide da sociedade global, do que o ser humano está prestando atenção. A sociedade global não sabe ainda o que fazer com as fake news. Não entende como lidar com a intolerância. Com maus-tratos ao meio ambiente. As marcas estão tentando ajudar.

Nosso celular sobre a mesa do café da manhã nos mostra ao vivo botes laranjas atravessando o Mediterrâneo repletos de refugiados. Daí você escrola a tela e na se-
quência vem uma mensagem da sua empresa. O que ela vai dizer? Como? Querendo o quê? Empresas hoje batem papo com milhões de pessoas nas redes, trocam ideia, abrem diálogo com todos e com isso veio uma pergunta existencial para os CEOs: pera aí, se minha empresa é uma pessoa, que pessoa ela é? Ou deveria ser? O que ela tá fazendo pra melhorar a vida dos meus clientes?

Afinal, ninguém deveria chegar numa roda de conversa que está preocupada e assustada com o mundo e pedir para que escolham entre o post vermelho e verde e obedeçam ao call to action. Provavelmente vão ouvir o que você tem a dizer, mas logo vão dar ouvidos a alguém que oferece o que você oferece, mas de um jeito mais humano. Mais quente. Mais verdadeiro. Mais inteligente ou engraçado.

Tudo certíssimo. Que bom que a indústria da comunicação busca um mundo melhor. E é claro que isso não é apenas para prêmios. Veja a trajetória de marcas influentes que nos rodeiam e ganham mercado fazendo isso em seus negócios e na sua comunicação. Nosso horário nobre realmente está cada vez mais nobre. Resta a nós, como publicitários, deixá-lo mais interessante. E isso Cannes Lions nos mostra que é possível.

Mas tudo isso é o mood atual de Cannes. Isso já foi diferente antes, está diferente hoje e pode mudar amanhã, quando as boas práticas empresariais já estiverem bem divulgadas e conhecidas, por exemplo. Na categoria que julguei, Direct, ficou muito claro isso. Considero que os prêmios são a fotografia do passado, os Leões de Ouro são as intenções para o futuro. Porém, o Grand Prix seria a imagem do futuro, se ele fosse fotografável.

Em Direct, dos 13 Leões de Ouro, sete tiveram temas importantes para a sociedade (três foram de charity, assinados por ONGs e quatro Leões para empresas que usam o seu propósito para divulgarem suas práticas) e seis de product/services. Uma boa média. Já o Grand Prix com Steveneage, do Burguer King, usou o humor para um mix de ação offline de patrocínio com hijicking online e call to action. Apesar de ter sido feito em 2020 (2019), ele foi a única peça que mereceu o GP em Direct justamente por termos tido a sensação de que apontava para o futuro que a gente espera que seja mais leve para todos. E quando as coisas melhorarem, sem dúvida, vamos descobrir como falar sobre isso. Por hora, que bom que a indústria da publicidade está ajudando as marcas a fazerem a diferença nesse momento.

Flavio Waiteman é CCO-fundador da Tech and Soul (flavio.waiteman@techandsoul.com.br)