Chama a atenção, quando você viaja para fora do Brasil, o valor que as sociedades costumam dar à vida. Tudo parece naturalmente organizado para evitar que as pessoas morram.

Por exemplo, quem está dirigindo um carro tem consciência de que poderia, se quisesse, matar quem anda a pé ou de bicicleta. Mas não quererá e, pelo contrário, fará tudo o que estiver a seu alcance para evitar uma circunstância que possa levar à morte de alguém.

Porque foi educado pela própria convivência em sociedade para compreender que a vida é importante. Aqui, a precaução com a possibilidade de ser morto por atropelamento cabe ao pedestre ou ao ciclista.

Afinal, pedestres e ciclistas sabem que o carro é mais forte do que eles. E os motoristas assumem que eles sabem disso e, portanto, a possibilidade de matá-los deixa de ser uma preocupação sua, mas uma preocupação óbvia de pedestres e ciclistas, os mais frágeis.

Situação parecida a que envolve os casos de latrocínio. Nenhum de nós pode alegar que não foi alertado de que não devemos reagir a um assalto, no caso de levarmos um tiro ou uma facada, ao tentarmos nos livrar de um ladrão.

Esse alerta faz parte da nossa cultura, exatamente porque não estamos organizados para evitar assaltos, apenas para nos adaptarmos a assaltos, praticando a recomendação de não reagirmos para não morrermos.

Nos dois casos, atropelamento e assalto, a preservação da própria vida é tarefa exclusivamente nossa. Da mesma forma, moradores de favelas precisam aprender a administrar sua convivência com tiroteios entre facções criminosas e a polícia.
É uma questão a ser assumida exclusivamente por mães e pais, evitar que as crianças saiam à rua e sejam mortalmente baleadas. Não há nenhum planejamento oficial que tenha a preservação da vida como objetivo.

Não há, aliás, sequer uma educação para a vida. Nos lares abastados, é comum as crianças crescerem ouvindo os pais desejando a morte de “vagabundos”.

Jovens bêbados, tanto de periferia, quanto de bairros nobres, matam-se na saída de bailes funks ou de baladas chiques, quando não são os próprios seguranças das casas noturnas que dão cabo deles.

Milicianos mataram por engano um grupo de médicos. Como punição, foram mortos pelos chefes deles. Homens matam mulheres todos os dias, no Brasil inteiro.

O protagonismo da morte prematura no Brasil criou, inclusive, um negócio muito rentável: a sinistra mídia da morte, com suas estrelas despontando em horários nobres.

Diariamente, esses comunicadores banalizam o desvalor da vida, com discursos falsamente moralistas, enquanto anestesiam as consciências, e faturam seus patrocínios.

Outro dia, me peguei pensando: se tivesse nascido e me criado fora, e nunca tivesse vindo ao Brasil, será que eu teria vontade de vir aqui? Ou teria receio, como todos temos, de visitar certos países? Será por isso que ainda faturamos tão pouco com turismo?

Ao terminar esse texto, me pergunto se não estarei exagerando e me assusto com a própria pergunta.

Afinal, questionar se exagerei não será um terrível sintoma de que me acostumei com esse horror todo?

Stalimir Vieira é diretor da Base de Marketing
stalimircom@gmail.com