Há muitos anos, o grande Zé Rodrix e eu fomos convidados para fazer uma entrevista na TV Cultura para contar histórias da propaganda e lembrar alguns jingles.

Conversadores compulsivos, o programa já estava no ar e nós ficamos no fundo do palco esperando ser chamados, contando casos de nossas vidas, até levarmos um esporro da coordenadora de estúdio para não atrapalhar o jornal, que estava indo ao ar ao vivo.

Naquele dia, quem assistiu ao noticiário da hora do almoço não deve ter entendido nada. Por trás das vozes do casal de âncoras, ouviam-se gargalhadas completamente fora de hora. Éramos nós.

Entre as histórias que rolaram e ajudaram a transformar o noticioso numa zona, a mais mimosa foi a do presidente da Nestlé e do Tico, sócio do Zé. Quer que eu conte? Segura aí. Acontece que entrou num cliente (não vou dizer o nome), um jovem trainee vindo de um MBA qualquer.

Daqueles, que acham que conheceram Jesus, viram a luz, foram abençoados pela verdade e a verdade os salvou. Não no sentido real, mas no figurado, simplesmente a ignorância acrescida de meia dúzia de receitas de bolo.

Um monte de teorias amalgamados com a insegurança resulta nisso. Um sujeitinho metido a besta, falando uma algaravia misto de português e inglês, cuspindo clichês a toda hora e achando que veio salvar a porra do marketing no Brasil.

Pois bem, o tal trainee em uma semana já tinha virado uma lenda. Reprovava tudo que lhe caía nas mãos, fazendo aquelas observações irrespondíveis sobre psicologia do target, objetivos estratégicos, distorções cognitivas e metalinguagem do nervo anal. E, é claro, o novo, surpreendente e revolucionário mundo digital. Naquela época ainda mais suscetível a invenções e teorias do que hoje.

Normalmente quem é do ramo pula por cima de baboseiras e se esquece de repetir o já consagrado e vai em frente. Mas, o rapaz surpreendeu alguns desavisados e infernizou a vida de muita gente.

Até que chegou o dia da apresentação de um jingle criado pelo Tico. E era na produtora (ninguém teria coragem de propor uma conference call para isso). Sabedor da encrenca, Tico pediu que no meio da reunião alguém ligasse dizendo-se fulano de tal (esqueci o nome), presidente da Nestlé. E assim foi feito.

Após a apresentação do jingle, entra a secretária e avisa: “Senhor Tico, ao telefone o doutor fulano de tal, presidente da Nestlé”. Tico pega o telefone, saúda o tal presidente com a maior secura, ouve por alguns instantes e grita:

  • O queeeeeeê? Não gostou do jingle? E quem é você para gostar ou não gostar? Só porque é um presidentinho de multinacional acha que vai se meter no meu trabalho? Você toca alguma merda, além de punheta? Não vou fazer mais porra nenhuma para você. Tenho mais o que fazer. Enfia a Nestlé no cu! Insensível! Calma o caralho, porque não é o seu trabalho! É o meu talento, viadinho! E não me encha mais o saco!” E desligou violentamente.

Após a gritaria para o telefone mudo (mas, para todos os efeitos com o presidente da Nestlé no outro lado da linha), voltou-se para o trainee e perguntou candidamente:

  • E aí, o que você achou de nosso jingle?

Não é preciso dizer que teve tudo aprovado. Se o doido tratava assim o presidente da Nestlé (aliás, ídolo do tal trainee), imagina o que não faria com o próprio se este tivesse a coragem de fazer qualquer observação?

Lula Vieira é publicitário, diretor do Grupo Mesa e da Approach Comunicação, radialista, escritor, editor e professor (lulavieira.luvi@gmail.com)