Escrever sobre sustentabilidade tem sido uma oportunidade de abertura de olhar – como colocar um daqueles óculos 3D e “entrar” na dimensão real das coisas, de um jeito esperto e privilegiado. Como descobrir um segredo ou abrir a caixa de pandora: chega a dar um friozinho na barriga pensar nas possibilidades desse jeito ampliado de enxergar o nosso papel como cidadãos do mundo, todos implicados no seu presente e futuro, todos responsáveis. Pensar o mundo por esse prisma abre perspectivas que talvez não façam sentido para quem ainda não experimentou os óculos 3D aos quais me referi. “Sustentabilidade não dá dinheiro”, me disse outro dia alguém, não me lembro exatamente em que contexto. Cada vez mais não entrar na dimensão real daquilo que podemos fazer para melhorar as nossas condições de existência neste planeta se torna distópico. Uma teimosa prorrogação de um jogo que já acabou faz tempo, no qual ninguém quer se dar por vencido, mas no qual só há perdedores. Seguem como cegos do castelo.
A questão da diversidade – racial e de gênero, vertentes essenciais do pensamento sustentável – é uma ferida aberta gigantesca que o Brasil ostenta, uma das maiores aberrações da atualidade. A perplexidade de atuar numa indústra tão criativa, porém essencialmente branca e masculina, em um país que só perde para a Nigéria em volume de negros, que são maioria da população, bem como as mulheres, chega a soar como ficção científica.
Na semana passada, ao me aprofundar sobre diversidade racial, ganhei anos em conhecimento e descobertas que chegaram quebrando tudo nesse meu mundinho tão limitado, pequeno e protegido. Eu, cega do castelo, conversei com gente que prefere não contar suas histórias com medo de perder seu lugar no mundo, tão arduamente conquistado. Ouvi de um deles: “Eu sou uma ilha pequena e deserta, no meio do grande oceano de ondas gigantes, com um único vulcão adormecido”. E conheci gente que conta sua história em altos brados, transformou vivência em exemplo, em bandeira, em missão. Não dá mais para fingir que não tem nada ocorrendo, que “comigo não tá”. Está com todo mundo, de todas as cores, tamanhos e documentos.
O tema da diversidade racial é evitado na maioria das agências de publicidade e produtoras, enquanto algumas das principais consultorias – que ganham espaço no mercado de comunicação – já ocupam posições relevantes em rankings de diversidade. Diversidade gera lucros, porque gera criatividade, e estamos na indústria da criatividade. Diversidade racial, de gênero, esse caldeirão de pessoas juntas e misturadas trazendo suas visões e ideias enriquece as empresas. Como é que tanta gente ainda passa batido por isso?
Por que seguimos encastelados e perdendo oportunidades?
“É no mínimo desconsertante viver numa parte do mundo em que você se acha óbvio e o resto te acha um ET”, queixa-se um profisssional especialista em sustentabilidade que esbarra cotidianamente com pessoas e empresas que ainda se perguntam se vale à pena se aprofundarem no assunto. Não tenho “vergonha alheia”, como se diz, ao me deparar com pessoas adormecidas sobre temas tão essenciais nessa indústria sobre a qual eu tão entusiasticamente escrevo. Eu mesma me sinto envergonhada, inclusive por ter feito a primeira matéria mais aprofundada sobre diversidade racial nas empresas, somente semana passada. Porque comigo tá, e sempre esteve. E é bom acordar.