Há algumas semanas fiz uma crítica, aqui neste espaço, a uma ação da Gillete, que assinou um comercial estrelado pelo seu embaixador, o jogador Neymar, no qual não ficava claro quem falava, de verdade. O mea culpa de Neymar em relação à sua atuação durante a Copa do Mundo de futebol pareceu uma ação em que nenhuma das duas marcas – Gillette ou Neymar – teve coragem de se posicionar.
A Gillette usou a voz do ídolo – e não a própria – para supostamente defendê-lo. Mas não convenceu exatamente porque era ele quem falava, ou melhor, declamava um texto nitidamente terceirizado, pouco autêntico. Tão pouco, que ele não teve coragem de assumi-lo sozinho. Foi um tiro mal dado, dúbio, de duas marcas fortes, sem dúvida, mas que não se comportaram como tal, não assumiram suas posições, titubearam.
E ambas, como muitas outras, têm o que aprender com episódios como o que se viu na semana passada, protagonizado pela Nike e sua atleta Serena Williams. A Nike defendeu abertamente a jogadora, dando um exemplo clássico de posicionamento firme – sólido a ponto de valer até mesmo comprar uma briga. Serena é naturalmente polêmica, transgressora, e brilhante – venceu nada menos que 23 Grand Slams. Foi criticada pelo dirigente de Roland Garros, Bernard Giudicelli, ao usar um uniforme da Nike inspirado no filme Pantera Negra, considerado por ele desrespeitoso ao jogo e ao local.
O macacão estilo mulher gato teria dupla função: dar conforto e ajudar a amenizar problemas de circulação da tenista. Claro que Serena teve de acatar a decisão do campeonato francês. Mas a Nike colocou sua posição no Twitter e ganhou o mundo e a simpatia de milhares de fãs ao defender Serena com a frase “Você pode tirar a roupa da super-heroína, mas jamais seus superpoderes”. A parceria multimilionária entre Serena e Nike vem de longe: desde 2003. E a Nike tem histórico de sair em defesa de seus tenistas “transgressores” – quando eles merecem, claro: já defendeu outro gigante das quadras, Andre Agassi, quando ele “ousou” usar roupas coloridas da Nike nas quadras.
O slogan da marca é a própria compra de uma briga pela ousadia de fazer diferente. Just Do It foi cunhado em 1988 por Dan Wieden, fundador da Wieden + Kennedy, e entrou para a cultura popular. A atitude de Serena na vida – bem como a de muitas pessoas – é uma campanha pronta para a Nike. Se apropriar desta atitude, frequentemente encontrada em atletas e pessoas que praticam esportes, que não envelhece jamais, ajudou a marca a se tornar icônica, e uma das mais valiosas do planeta, incorporando o espírito da deusa grega que inspirou seu nome, Niké, a deusa da vitória.
A Nike, com seu posicionamento, conseguiu acompanhar o espírito do tempo, chegando à proeza de falar com as mulheres, por exemplo, sem lembrá-las de que são mulheres, mas provocando-as a fazer algo novo, algo potente. Não se trata de uma campanha, mas de um estar no mundo, onde todas as ações fazem sentido para as pessoas, e reforçam o propósito da marca. E à frente do posicionamento sempre esteve, claro, um produto de primeira linha.
Embora haja, naturalmente, diferenças entre valores de contrato com suas marcas patrocinadoras e a própria performance entre os atletas (Serena e Neymar), não há pesos e medidas quando se trata de autenticidade, relacionamento transparente e posicionamento coerente de uma marca. Todas podem, e devem ter. Não importa o seu tamanho. O mundo não perdoa quem titubeia, e pode empurrar quem o faz, para a vala comum da irrelevância.
Claudia Penteado é jornalista, colunista e repórter do PROPMARK.