Peguei a mania do Duailibi de colecionar frases. Só que, para não fazer concorrência direta, na qual eu seria prejudicado pela excelência do rival, resolvi me especializar em frases ouvidas em botequins, estes templos da democratização da sabedoria. Ando permanentemente com uma cadernetinha e, cada vez que alguém me brinda com uma frase digna de registro, tiro do bolso o canhenho e escrevo. Reparem aí o uso magistral da palavra canhenho, que até o corretor do Word não conhece e sublinha em vermelho. Canhenho, seu corretor de merda, não é para teu bico. Só eu, o Houaiss e o Aurélio ainda usamos.

Pois bem, essa minha cadernetinha guarda um verdadeiro tesouro de comentários sobre comida, bebida e convivência. Por exemplo, um dia ouvi um freguês recusar um carpaccio sugerido pelo garçom com a garantia que, para ele, “carne crua só gemendo”. Não comeu o carpaccio e, pelo visto, nem a mulher que estava com ele, para a qual ofereço meus respeitos e meu humilde apoio. Outra, que veio do restaurante de um posto de gasolina do Sul, confirma um pouco a propalada grossura gaúcha, que sabemos injusta e ultrapassada. Mas o causo é que o garçom, atendendo três casais, anotou o pedido de bebidas e dirigiu-se às senhoras: “e as moças, vão ficar de bico seco?”. Quero ver mais donaire do que isso no Alain Ducasse. Também já registrei a recusa de outro comensal à sugestão de uma salada com a afirmação que “salada é comida de comida – meu negócio é carne!”.

Uma vez fui levado a uma lojinha em Volta Redonda, que faz uma das melhores empadas que comi na vida, digna do Frangó ou do Pão e Pão, de Nogueira, perto de Petrópolis. São mais de dez tipo diferentes de empadas, uma melhor que a outra. Fiquei curioso em saber como o rapaz que atendia no balcão sabia distinguir entre os diversos tipos. “É simples”, ele me explicou, “camarão tem um pontinho, camarão com Catupiry são dois cês, palmito é um pauzinho, calabresa dois”. Daí eu fiquei intrigado com um “s” sobre algumas delas. Sua resposta veio junto com um olhar de profundo enfado e desprezo. “Fácil: ‘esse’ de cebola!”.

Certa vez, na mesa ao lado da minha, uma senhora contava às amigas que a irmã dela se separou porque flagrou o marido se dirigindo de madrugada para o quarto da empregada. Segundo esta senhora, a irmã contou que o pilantra ainda tinha tentado fingir que estava tendo um ataque de sonambulismo, mas que a quase corna não aceitou a pantomima. “Largue de palhaçada – teria dito a tal irmã –, nunca ouvi falar de sonâmbulo de pau duro”.

Outra vez, no Amarelinho, aqui debaixo do prédio, numa sexta-feira de manifestação tipo “não vai ter golpe”, o bar estava lotado. Alguém comentou que aquilo estava um verdadeiro inferno. O Paiva, nosso garçom, imediatamente respondeu: “isso que vocês chamam de inferno, eu chamo de lar!”. Outro filósofo, o barman do Bistrô Vilarino, numa noite de amargura, chorava as mágoas: “não basta a crise, o Trump e a violência… agora eu ainda tenho de fazer caipisaquê de frutas vermelhas”.

Numa segunda-feira dessas, depois de uma derrota do Flamengo, o garçom Manolo recomendou: “pede coisa fácil porque o humor da cozinha está terrível!”. Este mesmo Manolo, um espanhol, é célebre por sua absoluta falta de paciência. Numa noite, Manolo tentava explicar, com metáforas e circunlóquios, sem nenhum sucesso, para uma freguesa o que seriam as “criadillas” que o menu indicava como uma tapa típica da região da Mancha. Depois da terceira tentativa, já meio puto, apontou para o próprio saco e disse bem alto: “Señora, com total respeto, criaddillas és esto… de toro!”. É por isso que adoro botequins. É lá que aprendo muito sobre a vida.

P.S.: O título é uma chupada vergonhosa de uma crônica do Artur da Távola, outro anotador de frases.

Lula Vieira é publicitário, diretor da  Mesa Consultoria de Comunicação, radialista, escritor, editor e professor